Insuficiência Cardíaca Miocardiopatias

Takotsubo: você conhece as causas de um coração partido?

Escrito por Jefferson Vieira

Esta publicação também está disponível em: Português

Desde 2020, a Sociedade Brasileira de Cardiologia vem realizando um levantamento inédito no Brasil sobre a síndrome de Takotsubo (STT). Liderado pelo Dr. Marcelo Montera (RJ), esse registro visa conhecer o perfil epidemiológico da STT no país, para melhorar o diagnóstico e proporcionar tratamentos mais eficazes à doença. Atualmente, o estudo já conta com mais de 450 indivíduos, sendo considerado um dos maiores registros realizados em um único país. O presente texto foi escrito em colaboração com a Dra. Danielli Lino, coordenadora da Unidade Clínica Coronariana do serviço de emergência do Hospital do Coração de Messejana (CE), responsável pela inclusão de pacientes no Ceará.

Descrita pelos japoneses em 1990, a síndrome de Takotsubo (também conhecida como Síndrome do Coração Partido) continua sendo um desafio, sobretudo no que diz respeito a sua fisiopatologia. A STT pode ser encontrada em cerca de 2-3% de todos os indivíduos que se apresentam com suspeita de síndrome coronariana aguda no departamento de emergência. Os achados tradicionais da ventriculografia desses pacientes, no entanto, evidenciam ausência de coronariopatia significativa e presença de acinesia apical associada à hipercinesia basal do VE, alterações morfológicas que dão o aspecto de um pote de pesca japonês utilizado para capturar polvo – regionalmente chamado de “Takotsubo. Segue imagem do nosso Manual de Emergências Cardiovasculares Cardiopapers:

Embora a maioria dos pacientes sejam mulheres na pós-menopausa, indivíduos do sexo masculino e jovens (incluindo crianças e bebês) também podem apresentar STT. A razão para a grande disparidade sexual na incidência da STT não é bem entendida, mas hipóteses centradas na privação de estrogênio tem sido propostas, uma vez que o estrogênio tem efeito simpatolítico e diminui o número de receptores beta-adrenérgicos nos cardiomiócitos. Dessa forma, mulheres na pós-menopausa apresentam menor modulação vagal e maior tônus simpático em comparação com as mulheres na pré-menopausa. Outra justificativa mais controversa envolve as diferentes estratégias de enfrentamento do estresse entre homens e mulheres.

O termo “coração partido” está associado ao gatilho emocional súbito e inesperado (causas primárias), muitas vezes atribuído a experiências traumáticas negativas; entretanto, hoje entendemos que esses gatilhos também podem decorrer de experiências positivas (“happiness heart”) ou mesmo fatores físicos (causas secundárias), incluindo eventos clínicos agudos como AVC, pancreatite, doenças oncológicas (e quimioterapia) ou trauma. As causas secundárias de STT são consideradas preditoras de pior desfecho hospitalar, estando associadas a maiores taxas de mortalidade, choque cardiogênico e rehospitalização por IC aguda. Existem 2 elementos fisiopatológicos iniciais envolvendo a tempestade catecolaminérgica da STT a serem considerados: o 1compreende os centros cognitivos do cérebro e do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, a percepção do estresse e a quantidade de adrenalina e noradrenalina liberadas em resposta a um estresse agudo. O 2o é a resposta dos sistemas nervoso simpático e cardiovascular à ativação simpática súbita e à elevação de catecolaminas plasmáticas a níveis até 3 vezes maiores do que aqueles encontrados em pacientes com IAM ou IC pós-infarto. A intensa ativação simpática e estimulação adrenérgica resultam em aumento da pós-carga ventricular, vasoespasmo coronário, disfunção microvascular, e atordoamento miocárdico catecolaminérgico através da sinalização inadequada de beta-receptores. Essas alterações resultam em disfunção miocárdica e eletrofisiológica, com prolongamento do intervalo QT e risco de arritmias ventriculares. O mecanismo pelo qual a tempestade catecolaminérgica da STT precipita o atordoamento miocárdico com padrão característico prioritário de balonamento apical é desconhecido. No entanto, estudos pré-clínicos sugerem que a densidade de beta-receptores no VE de mamíferos saudáveis seja maior no ápice do que na base, enquanto a inervação simpática parece ser maior na base do que no ápice; esse achado pode indicar que o miocárdio apical é mais sensível a níveis elevados de catecolaminas.

Nos segmentos miocárdicos afetados, ocorre ativação da inflamação com infiltração de macrófagos e linfócitos, estresse oxidativo, ativação de vias antiapoptóticas e alteração aguda do metabolismo miocárdico, com acúmulo de gotículas lipídicas no citoplasma dos cardiomiócitos. Estudos usando tomografia por emissão de pósitrons com FDG demonstraram que o uso regional de ácidos graxos livres e o transporte extracelular de glicose pelo miocárdio de pacientes com STT foram agudamente reduzidos nos segmentos apicais, mas não nos segmentos basais, sugerindo uma forma de “atordoamento metabólico agudo” induzido por catecolaminas ou pela combinação de catecolaminas e isquemia.

Pacientes com STT também apresentam disfunção do sistema nervoso autônomo que pode persistir por até 12 meses após a recuperação completa da função contrátil do miocárdio. Estudos com ressonância magnética do cérebro demonstraram mudanças estruturais na amígdala, hipocampo e ínsula, suportando a hipótese de disfunção límbica em pacientes com STT. Uma questão ainda não esclarecida é se essas alterações já eram pré-existentes e contribuíram para a STT ou se foram resultado da tempestade catecolaminérgica.

Infelizmente, não dispomos de nenhum grande ensaio clínico avaliando um tratamento específico para STT. Geralmente a prescrição hospitalar e de seguimento desses pacientes é norteada por estudos observacionais. De forma geral o tratamento baseia-se no suporte e manejo da IC. Uma análise recente do registro internacional InterTAK concluiu não haver benefício da prescrição de aspirina sobre desfechos cardiovasculares adversos mesmo após 5 anos de seguimento. Nesse mesmo registro, o uso de iECAs ou BRAs, mas não de betabloqueadores, correlacionou-se com maiores taxas de sobrevida. Também há evidência de benefício dos iECA/BRA sobre a recorrência da STT; por outro lado, o benefício de betabloqueadores ou estatinas ainda é controverso, apesar de continuarem a ser amplamente prescritos no pós-alta. Em pacientes hospitalizados com IC em perfil C, sugere-se investigar a presença de obstrução da via de saída do VE ocasionado pela hipercontratilidade basal antes de iniciar qualquer inotrópico. Na ausência de obstrução da via de saída do VE, o uso de inotrópicos pode ser considerado; embora a dobutamina e a noradrenalina pareçam estar associadas a piores desfechos, existem alguns relatos sugerindo um potencial efeito cardioprotetor da levosimendana na cardiomiopatia da STT a ser confirmado. Finalmente, em pacientes com choque cardiogênico, dispositivos de assistência circulatória como ponte para recuperação ou para decisão podem ser recursos adicionais. Segue fluxograma do nosso Manual de Emergências Cardiovasculares resumindo o tratamento da Síndrome de Takotsubo:

Lyon AR, Citro R, Schneider B, Morel O, Ghadri JR, Templin C, Omerovic E. Pathophysiology of Takotsubo Syndrome: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 23;77(7):902-921. doi: 10.1016/j.jacc.2020.10.060. PMID: 33602474.

Lu X, Li P, Teng C, Cai P, Jin L, Li C, Liu Q, Pan S, Dixon RAF, Wang B. Prognostic factors of Takotsubo cardiomyopathy: a systematic review. ESC Heart Fail. 2021 Oct;8(5):3663-3689. doi: 10.1002/ehf2.13531. Epub 2021 Aug 9. PMID: 34374223; PMCID: PMC8497208.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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