Emergências Insuficiência Cardíaca

Já ouviu falar no tempo porta-furosemida? A gente te explica.

Escrito por Jefferson Vieira

Esta publicação também está disponível em: Português

O tempo porta-balão é um indicador de qualidade universalmente aceito no atendimento de pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMEST), objetivando reperfusão rápida e aumento na sobrevida. Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) têm taxas de mortalidade comparáveis ou mesmo superiores aos pacientes com IAMEST, e atrasos no seu tratamento estão relacionados a piores resultados. Assim, embora pareça evidente que o tratamento da IC aguda descompensada (ICAD) através do uso precoce de diuréticos intravenosos esteja associado a melhores resultados, não haviam dados prospectivos que apoiassem essa conduta até o momento. Na última edição do JACC, Matsue e colaboradores apresentaram os resultados de uma coorte observacional prospectiva com 1.291 pacientes admitidos com diagnóstico de ICAD, em que foi estudada a associação entre o “tempo porta-furosemida” (TPF) e desfechos clínicos.

Entre os participantes do estudo, aproximadamente a metade tinha história prévia de IC e, desses, a maioria com fração de ejeção reduzida. Nos pacientes tratados com diurético intravenoso houve uma distribuição assimétrica do TPF, com mediana de 90 minutos. Usando um ponto de corte de 60 minutos, os investigadores classificaram os participantes em grupos TPF precoce (37,3%) e TPF tardio (62,7%). Em uma série de análises ajustadas, o TPF precoce foi preditor de sobrevivência intra-hospitalar quando comparado ao TPF tardio. A mortalidade intra-hospitalar aumentou acentuadamente à medida que o TPF foi atrasado, atingindo o pico em torno de 100 minutos. Esse achado reforça a atual recomendação de uma janela de 30 a 60 minutos da admissão no pronto-socorro para o início do tratamento de pacientes com ICAD.

Como esperado, pacientes do grupo TPF precoce apresentavam sintomas admissionais mais evidentes de congestão e descompensação da IC, como ortopneia e distensão jugular. Além de congestão evidente, os outros preditores independentes de TPF precoce foram chegada por ambulância e frequência cardíaca elevada. Curiosamente, mais pacientes do grupo TPF tardio tinham história prévia de IC e uso prévio de furosemida. Além disso, os níveis séricos de peptídeo natriurético de tipo B (BNP) estavam elevados em ambos os grupos, sem diferença estatística. Ou seja, o tratamento do grupo TPF tardio foi adiado mesmo em vigência de preditores bem estabelecidos de gravidade da IC e, então, é possível que o atraso nesse grupo possa refletir uma maior incerteza diagnóstica ou terapêutica por parte do emergencista. De fato, estudos anteriores já haviam associado a indecisão diagnóstica com atraso na administração de diuréticos, aumento de mortalidade e maior permanência hospitalar. Além disso, como foi mencionado no editorial da revista, o perfil clínico do grupo TPF precoce foi consistente com um fenótipo de IC hipertensiva aguda com edema pulmonar que, em geral, é mais responsivo ao tratamento e apresenta um prognóstico mais favorável.

Opinião: O objetivo inicial no tratamento da ICAD é a melhora hemodinâmica e sintomática. A determinação do perfil clínico-hemodinâmico, que leva em consideração a presença ou ausência de sinais e sintomas de congestão e baixo débito, é fundamental para individualizar o tratamento. O achado de má perfusão sem congestão pulmonar (padrão “frio e seco”), por exemplo, apesar de raro não deve ser tratado com diuréticos. Pelo contrário, responde a volume e eventualmente terapia inotrópica pode ser necessária. Até o presente momento nenhuma terapêutica isolada se mostrou bem sucedida na redução de mortalidade da ICAD e o tratamento com diuréticos intravenosos não foi sujeito a estudos controlados com placebo ou demonstrou reduzir a mortalidade. O reconhecimento precoce, a diureticoterapia eficaz e, principalmente, o follow-up e a identificação de lacunas nos cuidados da IC, incluindo fatores potencialmente reversíveis, são essenciais, independente se a primeira dose da furosemida foi prescrita rapidamente.

Matsue Y., Damman K., Voors A.A., et al. (2017) Time-to-furosemide treatment and mortality in patients hospitalized with acute heart failure. J Am Coll Cardiol 69:3042–3051.

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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