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Ressonância cardíaca ajuda a diferenciar miocardiopatia isquêmica da não isquêmica?

Escrito por Ricardo Rocha

Esta publicação também está disponível em: Português

Continuando nossa série de posts com as principais indicações de ressonância cardíaca, hoje discutiremos o papel do exame na diferenciação de miocardiopatias isquêmicas e não isquêmicas.  A miocardiopatia dilatada representa a via comum final de várias condições patológicas em que uma combinação de injúria miocárdica associada à fibrose tecidual resulta em disfunção contrátil. O reconhecimento da etiologia é importante para individualizar as estratégias terapêuticas e estratificar o prognóstico do paciente. Toda vez que um médico esta diante de um paciente com disfunção ventricular, é fundamental diferenciá-los como isquêmicos ou não isquêmicos, com impacto direto na conduta a ser tomada após o diagnóstico. Um passo fundamental na investigação é o conhecimento da anatomia coronariana, sendo o cateterismo cardíaco o exame de escolha.

Mas atenção: 

  •  Cateterismo normal em paciente com disfunção ventricular não exclui miocardiopatia isquêmica!!!!

Tradicionalmente o diagnóstico de cardiopatia isquêmica é determinado pela presença de doença arterial obstrutiva pela angiografia, entretanto a presença ou ausência de obstrução coronariana podem não corresponder aos achados teciduais miocárdicos. Estudos de indivíduos com miocardiopatia dilatada tem evidenciado infarto do miocárdio em 10% a 15% a despeito da ausência de lesões coronarianas, o que pode estar relacionado a recanalização coronária espontânea após um evento oclusivo ou embolização distal de placas minimamente estenóticas ou instáveis.

Nota do editor: pode parecer que a afirmação acima é muito teórica, mas isso de fato ocorre. Como exemplo posso citar um caso que vi na época da residência. Paciente lúpica com SAAF chegou ao PS com infarto com supra de ST anterior já em fase subaguda. Foi encaminhada para o cate onde se viu trombo em 1/3 médio de DA. Como já estava sem dor e em fase subaguda, a lesão não foi angioplastada. A paciente terminou evoluindo com pseudoaneurisma apical de VE. Ressonância cardíaca mostrou a complicação mecânica e confirmou a necrose transmural do ápice cardíaco. Caso essa paciente fosse submetida à cate 1 ou 2 anos após o evento agudo, obviamente o trombo já teria sido dissolvido pelo sistema fibrinolítico endógeno e o laudo seria cate com coronárias normais. A tendência então seria do médico classificar a miocardiopatia da paciente como não isquêmica. (Eduardo Lapa)

Por outro lado, pacientes com cardiopatias não isquêmicas podem ter coronariopatia sem ser esta a causa da disfunção ventricular.

Como a Ressonância pode ajudar nesta diferenciação ?

A ressonância magnética cardíaca com a técnica de realce tardio é atualmente o método padrão ouro para a avaliação de fibrose miocárdica. A avaliação do padrão de acometimento de fibrose nestes pacientes ajuda na determinação da etiologia da disfunção ventricular .

Quando um artéria coronária é ocluída, a progressão do infarto SEMPRE se dá do subendocárdio para o epicárdio, portanto na cardiomiopatia isquêmica com presença de fibrose SEMPRE há o envolvimento do subendocárdio (fibrose subendocárdica ou transmural) e a área acometida esta relacionada a um território de perfusão coronariana (Figura 1).

         

Figura 1 . Exemplo de realce miocárdico isquêmico transmural localizado nas paredes anterior e septal do ventrículo esquerdo em cortes de eixo curto (a) , 2 câmaras (b) e 3 câmaras (Via de saída do VE) (c). Note que sempre há o acometimento do subendocárdio.

Por outro lado, nas várias etiologias de miocardiopatias não isquêmicas é possível determinar-se um padrão de acometimento de fibrose preferencial, geralmente poupando o subendocárdio e sem relação com território de irrigação coronariana (Figura 2). Em posts futuros iremos detalhar o uso da RNM cardíaca no diagnóstico etiológico das miocardiopatia não isquêmicas.

              

               

Figura 2.  Ressonância Cardiaca em cortes de eixo curto (a) e 3 câmaras (b)  de paciente com miocardiopatia não isquêmica, com áreas multifocais de realce tardio com padrão sugestivo de Miocardite. Note que as áreas de fibrose se localizam na região mesocárdica (poupam o endocárdio).

Resumindo:

  • Disfunção ventricular + lesões coronarianas não é obrigatoriamente = a miocardiopatia isquêmica.
  • Disfunção ventricular + cate sem lesões não exclui obrigatoriamente miocardiopatia isquêmica.
  • A RMC pode ajudar nesta diferenciação. 

Na próxima semana discutiremos o uso da ressonância no diagnóstico e estratificação da Miocardiopatia hipertrófica.

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Sobre o autor

Ricardo Rocha

Residência em Cardiologia pela USP - Ribeirao Preto
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Tomografia e Ressonância Cardiovascular pelo InCor/FMUSP
Médico do setor de Imagem Cardiovascular das Clinicas Boghos Boyadjian e Mário Marcio - Fortaleza - CE
Médico do setor de Cardiologia e Imagem Cardiovascular do Hospital Monte Klinikum - Fortaleza - CE

1 comentário

  • É uma observação interessante o fato de que pode existir cardiopatia isquêmica sem necessariamente haver alguma doença primária do vaso. Entretanto a implicação clínica disso é mínima, visto que uma cardiopatia isquêmica que não seja de origem aterosclerótica (ex: o trombo temporário que causou o IAM na sua paciente lúpica) será tratada como qualquer outra cardiopatia, dependendo mais do grau de disfunção ventricular, sintomatologia e gradientes de pressão do que da etiologia propriamente dita (não isquêmica, isquêmica aterosclerótica ou isquêmica não-aterosclerótica).

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