Insuficiência Cardíaca

Vericiguat: uma nova droga para tratar insuficiência cardíaca?

Escrito por Eduardo Lapa

Esta publicação também está disponível em: Português Español

Acabou de ser apresentado no Congresso do American College of Cardiology o estudo Victoria. Ele avaliou o uso de uma nova medicação no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER). Vamos aos detalhes:

Qual foi a medicação estudada?

Vericiguat. O que ela faz? A medicação estimula o GMP cíclico por duas vias distintas: tanto ativa a guanilato ciclase de forma direta (independente do óxido nítrico) quanto sensibiliza a guanilato ciclase à estimulação do óxido nítrico endógeno que produzimos fisiologicamente. OK. Mas, sinceramente, faz tempo que paguei fisiologia na faculdade e não me lembro direito como tudo isso funciona. Resumindo:

A célula endotelial produz óxido nítrico que por sua vez ativa a gualinato ciclase, que ativa o GMP cíclico que por sua vez irá promover vasodilatação vascular. Acontece que esse processo na IC está comprometido por uma série de alterações. Ao ativar-se a vasodilatação vascular com o vericiguat, tendemos a causar efeitos benéficos na IC.

O vericiguat já havia sido avaliado em pctes com IC em estudos menores como o SOCRATES-REDUCED em que o endpoint era ver se a dorga baixava mais níveis de NT-proBNP. O atual estudo VICTORIA propôs-se a avaliar o impacto da medicação sobre desfechos clínicos.

Qual a pergunta principal do trabalho?

Vericiguat é capaz de reduzir desfechos compostos (morte cardiovascular + internações por IC) em pacientes com ICFER?

A medicação era iniciada com dose de 2,5 mg.d e depois era titulada até 10 mg.d.

Quais fora os pacientes que participaram do estudo?

Critérios de inclusão (resumo):

  • FE < 45%
  • Sintomas de IC apesar de terapia clínica otimizada
  • Internação por IC nos últimos 6 meses ou uso de diurético IV nos últimos 3 meses
  • Aumento de peptídeos natriuréticos nos 30 dias que antecediam a randomização (BNP≥ 300 pg/mL; se FA≥ 500 pg/mL, NT-proBNP ≥ 1000 pg/mL; se FA ≥ 1600 pg/mL)

Critérios de exclusão (resumo):

  • PAS < 100 mmHg
  • Uso de nitratos
  • Uso de inibidores de fosfodiesterase (ex: sildenafil)
  • Valvopatia com indicação de intervencão, cardiomiopatia hipertrófica,
  • Síndrome coronariana aguda nos últimos 2 meses
  • ClCr  < 15 mL/min
  • Gestação

Quais as características basais dos pacientes?

  • Foram randomizados 5.050 pacientes. Estudo duplo-cego, randomizado, multicêntrico.
  • A grande maioria dos pacientes (98,6%) estava em CF II ou III. Também a maioria (58,7%) apresentava DAC associada.
  • A aderência dos pctes ao tratamento padrão era bem alta. 73,5% deles usavam ieca/BRA. Só isso? Calma. Mais 14,5% usavam sacubitril/valsartana. Ou seja, quase 90% usavam um vasodilatador. 93,1% usavam bbloq. E antagonista mineralocorticoide era usado por 70,4% dos pctes no momento da randomização.

Quais foram os resultados?

  • O endpoint primário ocorreu em 35,5% dos pctes no grupo Vericiguat x 38,5% no grupo controle (hazard ratio, 0.90; 95% intervalo de confiança, 0.82 to 0.98; P = 0.02). 
  • Follow-up médio foi de 10,8 meses
  • Beleza. Estudo positivo. Mas isto foi às custas de que? Em relação à internacão por IC, ficou na trave havendo redução de 29,6% para 27,4%(hazard ratio, 0.90; 95% IC, 0.81 to 1.00). Na trave porque o intervalo de confiança englobou o 1. Em relação à mortalidade, não houve diferença (16,4% no grupo vericiguat x 17,5% no controle hazard ratio, 0.93; 95% IC, 0.81 to 1.06). Mortalidade total também não teve diferença. Resumindo, a diferença no endpoint primário ocorreu basicamente devido à diminuição de internação por IC. 
  • No endpoint primário entrou tempo para primeira internação por IC. Quando avaliado o total de internações por IC, o vericiguat reduziu de forma significante o desfecho (caiu de 42,4 a cada 100 pacientes por ano para 38,3 – hazard ratio, 0.91; 95% IC, 0.84 to 0.99; P = 0.02)
  • E em relação à segurança da medicação? Efeitos colaterais sérios ocorreram em 32,8% dos pctes no grupo vericiguat e em 34,8% no grupo placebo. Hipotensão sintomático e síncope foram iguais nos 2 grupos. Anemia foi mais comum no grupo vericiguat (7,6% x 5,7%).
  • A população avaliada nesse trial foi mais grave do que em outros estudos como no PARADIGM-HF e DAPA-HF. Isto pode ser visto pela maior quantidade pacientes em CF III ou IV na randomização assim como pelos maiores níveis de peptídeos natriuréticos. Isto também parece explicar a maior taxa de eventos vistos neste trial.

Qual a minha opinião?

  • Trial positivo que teve benefício basicamente às custas de redução de internação. A cada 24 pacientes tratados por um ano, reduziu-se um evento. Mesmo não tendo reduzido morte este impacto é considerado relevante (ver este texto para maiores detalhes).
  • Os resultados causam menos impacto do que os do DAPA-HF, na minha opinião, já que nesse trial tivemos clara redução de mortalidade.
  • De toda forma é mais uma opção que traz benefícios para os pctes com ICFER. O grande ponto agora seria como usá-la na prática. Em relação a própria dapagliflozina isso não ficou tão claro ainda. Paciente que vem em terapia tripla (ieca + bbloq + espirono) e que continua sintomático: devemos trocar o ieca por sacubitril/valsartana logo ou é melhor fazer terapia tripla com dapa? Ninguém sabe ainda ao certo. Agora com o vericiguat a coisa fica ainda mais complexa. Devemos colocá-lo na frente da dapa? Ou fazer terapia quíntupla? Perguntas ainda sem respostas.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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