Cirurgia cardíaca

A polêmica da Mamária Direita na Cirurgia de Revascularização do Miocárdio

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Ninguém duvida da superioridade da anastomose da Artéria Torácica Interna (ATI) esquerda na Artéria Descendente Anterior (DA), especialmente quando comparada à veia safena (VS). A usabilidade da ATI-e, sua biologia favorável (características histológicas e controle vasoativo parácrino) e sua maior durabilidade quando anastomosada à DA impulsionaram o uso da ATI (mamária) direita, inicialmente para o tratamento da DA. No início dessa prática, estudos observacionais suportaram o seu uso como o segundo melhor enxerto após a ATI-e. Mas, afinal, o uso da mamária direita na cirurgia de revascularização do miocárdio é a melhor opção como segundo enxerto?

Por esse motivo, o estudo ART (Arterial Revascularization Trial) foi recebido com muita surpresa. Randomizado, o ART não demonstrou a superioridade esperada no uso da mamária direita em comparação à VS em um seguimento de 10 anos. A alta taxa de crossover e o uso adicional do enxerto de artéria radial (AR) em ambos os braços foram as maiores críticas ao estudo e ajudaram a desenhar o ROMA Trial, que está em andamento. (https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/revascularizacao-miocardica-usando-enxerto-de-mamaria-bilateral-ou-unilateral-qual-e-a-melhor-opcao/) 

Após a publicação do ART, a análise de dados angiográficos proveniente de 6 estudos demonstrou uma taxa preocupante de oclusão da mamária direita na revascularização do miocárdio (13.5%) em um seguimento de 5 anos. Analogamente, a análise post hoc do estudo COMPASS (Cardiovascular Outcomes for People Using Anticoagulation Strategies) CABG evidenciou falência de 26.8% da mamária direita em 1 ano. Além disso, o RAPCO (Radial Artery Patency and Clinical Outcomes) demonstrou superioridade da AR em comparação à mamária direita (11% versus 20% de oclusão) em 10 anos.

 

Por que foram encontradas taxas tão altas de oclusão da mamária direita na revascularização do miocárdio ?

Inicialmente, a mamária direita foi usada como enxerto para a DA com patência semelhante à mamária esquerda. No entanto, a patência da mamária direita na artéria Circunflexa ou Coronária Direita mostrou-se inferior. Entre as causas da falência de enxerto destacamos competição de fluxo no leito nativo e aspectos técnicos da anastomose em vasos distais. Com o tempo, ficou claro que a mamária direita  é mais susceptível à competição de fluxo que a VS, motivo pelo qual sua patência parece melhor em vasos que apresentam lesões graves.

Adicionalmente, os resultados com o uso da mamária direita na revascularização do miocárdio parecem mais dependentes de volume e da experiência do cirurgião que AR ou VS. Com a expansão de centros utilizando a mamária direita na revascularização do miocárdio e com a limitação do seu uso à Circunflexa e Coronária Direita, os resultados ficaram mais evidentes.

 

Qual a alternativa à mamária direita na revascularização do miocárdio?

O uso da AR era raro no inicio do desenvolvimento da CRM, mas ressurgiu em meados de 90. Atualmente, estudos randomizados mostram que sua patência é favorável, até superior à ATI-d.

Vantagens da radial:

  • maior e mais robusta que a mamária direita, sendo mais seguro utilizar em anastomoses sequenciais e distais;
  • pode ser dissecada ao mesmo tempo que a mamária esquerda, melhorando a eficiência cirúrgica;
  • evita a desvascularização completa do esterno, reduzindo o risco de infecção esternal, osteomielite, deiscência e até mediastinite.

 

Cirurgiões experientes no uso da mamária direita na revascularização do miocárdio podem evitar essas potenciais complicações com uma seleção adequada dos pacientes, dissecção esqueletizada da artéria ou mesmo dissecção parcial do seu comprimento. Por último, é importante lembrar que vasos com estenoses não críticas devem ser tratados com enxertos não-arteriais para uma maior durabilidade da revascularização.

 

Na opinião de Mario Gaudino, a mamária direita pode ser considerada  como o segundo melhor enxerto na revascularização do miocárdio  em condições ideais.

Quais são essas condições?

  • Artéria dissecada adequadamente;
  • Lesão grave no vaso nativo;
  • Calibre compatível entre com o vaso-alvo (em geral, na circulação esquerda);
  • Cirurgião/centro experiente.

 

Em resumo, os dados de patência atuais da mamária direita provavelmente se devem à expansão do seu uso por um grande número de cirurgiões, para anastomoses além da DA e em vasos de diversos tamanhos, qualidade e graus de estenose. Em condições não ideais, a mamária direita não demonstrou superioridade à artéria radial ou mesmo à safena na revascularização do miocárdio.

 

TAKE HOME MESSAGE:

As evidências atuais não suportam o uso da Artéria Torácica Interna direita como o segundo melhor enxerto em CRM.

Em condições ideais, sua patência pode ser superior, porém em muitos casos tanto a Artéria Radial quanto a Veia Safena parecem ser alternativas equivalentes ou até melhores.

 

Referência:

Gaudino M, Lytle B. Right Internal Thoracic Artery for Coronary Bypass Surgery: Did We Get It Wrong? Circulation. 2022 Oct 25;146(17):1266-1267. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.122.061766. Epub 2022 Oct 24. PMID: 36279413. (https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.061766?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)

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Sobre o autor

Paola Keese Montanhesi

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