Medicina Baseada em Evidências

Quando as aparências enganam: os vieses em pesquisa

Escrito por Remo Holanda

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Neste mesmo site, alguns anos atrás, foi comentado um determinado artigo sobre o uso de aspirina para proteção cardiovascular.  (Mais detalhes em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/e-verdade-que-aspirina-aumenta-o-risco-de-insuficiencia-cardiaca/) Naquele artigo, os pesquisadores observaram que os pacientes utilizando aspirina apresentavam maior risco de hospitalização por insuficiência cardíaca em relação aos que não utilizavam. Baseado nisso, muitos ficaram reticentes em prescrever a nossa boa e velha aspirina apesar da enorme quantidade de evidências favoráveis em termos de redução de eventos cardiovasculares. Mas, afinal de contas, será que as conclusões do referido artigo deveriam mesmo mudar a prática clínica? Ou estaríamos diante de mais uma cilada enganados pelos vieses em pesquisa? 

Viés ou erro sistemático nada mais é do que a situação em que o resultado de um estudo se distorce da verdade sempre na mesma direção, devido a algum erro por trás da coleta ou mensuração do dado. Traduzindo: imagine que você tenha um esfigmomanômetro descalibrado, que sempre meça a pressão arterial (PA) do seu paciente 20 mmHg acima do valor correto. Nesse caso, a sua medida sempre errará na mesma direção (por exemplo, se a PA do paciente verdadeira for 120 x 80 mmHg, o seu aparelho descalibrado vai aferir 140 x 100 mmHg e assim por diante). Além disso, aumentar o número de medidas no seu paciente e fazer a média em nada vai adiantar para corrigir este erro (na verdade, você simplesmente vai ter cada vez mais certeza de que está errado!).

Os vieses em pesquisa podem ocorrer de diversas formas. Um tipo bem simples de viés, igual ao da medida da PA acima mencionada, seria o chamado viés de aferição. Ele pode ocorrer especialmente nas situações em que a medida de um determinado parâmetro é feita por alguém que conhece o tratamento do paciente (exemplo: o ecocardiografista que vai avaliar a fração de ejeção sabe se o paciente tomou remédio ou placebo, portanto, influenciando na sua avaliação). Outro viés bastante comum é o confundimento. Nesta situação, a presença de fatores associados (confundidores), e não a exposição em si, é que justifica o resultado (desfecho) observado. Vamos explicar melhor. No exemplo acima da aspirina, se os pacientes que utilizavam o medicamento eram mais idosos e com maior frequência tinham diabetes, por exemplo, a maior ocorrência de insuficiência cardíaca pode ter sido devido a estes dois fatores, e não a um efeito da aspirina em si. Outra situação é o chamado viés da causalidade reversa (eu o chamo de viés do “ovo e da galinha”), quando o fator de risco (exposição) é a consequência, e não a causa, do desfecho observado. Exemplo, suponha que no seu ambulatório de clínica médica, você encontre maior frequência de fumantes entre os pacientes que nunca sofreram um infarto em relação aos que já sofreram.  Você ficará tentado (e de certa forma, angustiado!) a concluir que o cigarro protege contra infarto. Entretanto, o fato de ter sofrido um infarto pode ter motivado a pessoa a parar de fumar (ou seja, fuma menos porque teve um infarto, e não teve um infarto porque fuma menos!). Os tipos de vieses em pesquisa dependem muito, portanto, de detalhes inerentes ao desenho e características de cada estudo. (https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/piramide-da-evidencia/)

Mas será que os estudos randomizados seriam imunes a vieses em pesquisa? Resposta: de jeito nenhum! Mesmo os estudos randomizados e meta-análises, considerados como os melhores níveis de evidência, podem ser sujeitos a vieses. Lembre-se de que o fato de ser randomizado não garante que o estudo seja a expressão máxima da verdade. De fato, o estudo randomizado não é isento de vieses, mas apenas tem um desenho mais elaborado que permite um maior controle de vieses.

Resumo da ópera: cuidado com o que você lê e o que você conclui em alguns artigos. Os vieses em pesquisa podem estar espalhados por aí, e um leitor mais descuidado pode não perceber, sobretudo se não seguir o método correto para ler e interpretar um artigo. Assim sendo, aprenda a se livrar dessas armadilhas e evitar tomar condutas erradas que podem prejudicar (substancialmente!) o seu paciente. (A propósito: podem prescrever Aspirina sem medo, caso o seu paciente tenha indicação.)

Se quiser saber mais detalhes sobre este e outros assuntos, se liga no nosso Curso de Medicina Baseada em Evidências (https://lp2.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo-vitrine/)

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