Medicina Baseada em Evidências Miscelânia

Desvendando a Análise Win Ratio em Ensaios Clínicos

Escrito por Humberto Graner

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“… the corresponding win ratio was 1.8 (95% confidence interval 1.4 to 2.2)…”

Esta forma de apresentar os resultados de ensaios clínicos randomizados tem sido cada vez mais frequente. Mas, você sabe o que é “win ratio”, e o que este resultado significa?

Antes de explicarmos win ratio, vamos entender como os desfechos são analisados!

Como os desfechos são contados?

Nos Ensaios Clínicos Randomizados, os desfechos são contabilizados de maneira rigorosa e padronizada para garantir a validade e confiabilidade dos resultados.

Na contabilização de desfechos, a abordagem pode variar dependendo do design do estudo e dos objetivos específicos. De maneira geral, os pacientes randomizados para diferentes grupos são acompanhados ao longo do tempo e, quando ocorre um desfecho definido pelo protocolo do estudo, este é contabilizado.

O método mais comum para contabilização dos desfechos é pela Análise do Primeiro Evento (First Event Analysis). Neste método, apenas o primeiro desfecho clínico que ocorre em cada paciente é contabilizado. Mesmo que o paciente apresente outro evento subsequente, este não é mais levado em conta como novo desfecho. Este método pode fornecer uma estimativa clara do risco relativo de um primeiro evento, mas não necessariamente reflete todos os eventos de risco que um paciente pode enfrentar.

Por exemplo, supomos que o desfecho primário de um estudo for composto por morte, infarto do miocárdio, e AVC. Se o paciente apresentar um IAM sem supra de ST, ele conta como desfecho. Mas, se 3 meses depois, o paciente tem um novo infarto, ou morre, este evento não é contabilizado. Mesmo sendo óbito!

Por causa destes questionamentos, uma outra forma de contabilização dos desfechos é pela Análise de Todos os Eventos (Total Event Analysis): Nesta abordagem, todos os eventos clínicos são contabilizados durante o período de acompanhamento do estudo, mesmo que um paciente tenha múltiplos eventos.

Existem alguns métodos para se avaliar múltiplos desfechos, mas vamos falar sobre um em específico, que tem sido cada vez mais utilizado. 

O que é a Análise Win Ratio?

A análise win ratio (ou razão de vitórias) é uma técnica especialmente útil quando se avaliam múltiplos desfechos.

Imaginemos que você está comparando dois tratamentos, X e Y. Em vez de olhar o número de desfechos em todo o grupo, compara-se um paciente do grupo X com outro paciente do grupo Y.

Para cada par de pacientes (um de cada grupo de tratamento), você olha para vários desfechos (por exemplo, morte, hospitalização), e então dá o veredicto:

  • “Vitória”: Se o paciente do Tratamento X tem um desfecho melhor que o paciente do Tratamento Y, é uma “vitória” para X.
  • “Derrota”: Se o desfecho for pior, é uma “derrota”.
  • “Empate”: Se os desfechos forem equivalentes, é um “empate”.

Uma das vantagens é a possibilidade de análise hierárquica, especialmente útil para desfechos composto. No exempo acima, só se analisa hospitalização naqueles que “empataram” em óbitos. Para o cálculo da win ratio é a razão do número de vitórias para o número de derrotas.

Vamos ver isso na prática?

Você já conhece o estudo EMPEROR PRESERVED, que avaliou a empagliflozina em pacientes com ICFEp. O desfecho primário foi um composto de morte cardiovascular adjudicada ou hospitalização por insuficiência cardíaca, analisado como o tempo até o primeiro evento. Ocorre que um paciente pode ter hospitalizado mais de uma vez durante o seguimento. E se a análise fosse feita por win ratio?

Primeiro, cada paciente do grupo empagliflozina (n=2.997) é pareado com cada paciente do grupo placebo (n=2.991), gerando quase 9 milhões de pares! Depois, analisa-se morte cardiovascular e contabiliza-se as vitórias. Somente naqueles que empataram, a hospitalização para insuficiência cardíaca será analisada. A razão de vitórias calculada foi de 1,25.

Isso significa que, para cada derrota, houve 1,25 vitórias no grupo de tratamento comparado ao grupo controle. Um Win Ratio > 1 indica um resultado favorável para o tratamento.

Pontos Fortes e Fracos

Os prós da análise win ratio são:

  • Flexível, pode ser adaptado para diferentes tipos de dados e desfechos.
  • Prioriza os resultados mais importantes, há uma hierarquia mesmo dentro de desfechos compostos.
  • Pode combinar eventos clínicos com resultados quantitativos (por exemplo, medidas de qualidade de vida)

Entre os fatores contra, estão:

  • A hierarquia precisa fazer sentido, e a ordem de análise dos desfechos pode afetar os resultados.
  • Interpretação menos intuitiva do que alguns outros métodos com análise de risco.
  • Requer dados completos e pode ser afetado por desbalanceamento nos pares.

Comente aí se você ainda tiver alguma dúvida!

Referências

Gregson J, Stone GW, Bhatt DL, Packer M, Anker SD, Zeller C, Redfors B, Pocock SJ. Recurrent Events in Cardiovascular Trials: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2023 Oct 3;82(14):1445-1463. 

Pocock SJ, Ariti CA, Collier TJ, Wang D. The win ratio: a new approach to the analysis of composite endpoints in clinical trials based on clinical priorities. Eur Heart J. 2012 Jan;33(2):176-82. doi: 10.1093/eurheartj/ehr352.

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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