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siRNA: vem aí uma grande novidade no tratamento das doenças cardiovasculares

Escrito por Remo Holanda

Esta publicação também está disponível em: Português

Em 2006, a descoberta de fragmentos de dupla fita de RNA capazes de modificar a transcrição de proteínas em nematoides da espécie Carnorhabditus elegans rendeu a Fire e Mello o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina. Desde então, tem crescido o interesse no desenvolimento de novos fármacos baseados nos siRNA (short interfering RNA), com especial interesse no tratamento das doenças cardiovasculares. Uma revisão recentemente publicada pelo Dr. Eugene Braunwald no European Heart Journal  nos traz algumas perspectivas1.

Em primeiro lugar, o que são os siRNA?

São fragmentos de código genético capazes de se ligar ao RNA mensageiro e silenciar a transcrição de alguns genes em proteínas. Seria uma espécie de “regulador” endógeno da nossa fábrica genética, evitando assim que algumas proteínas sejam fabricadas em excesso e com isso desgastando a nossa célula com esse “lixo” proteico.

Mas afinal, como o siRNA poderia nos ajudar no tratamento das doenças cardiovasculares?

Em diversas situações clínicas, a inibição da síntese proteica pode ser útil. Vamos relembrar um exemplo que tem chamado muita atenção em cardiologia, os inibidores de PCSK-9 (proprotein covertase subtilisin-kexin type 9).  A PCSK-9 é uma proteína responsável pela degradação de receptores de LDL. Ou seja, quanto maior a função dessa proteína, menor é a quantidade de receptores de LDL na superfície dos hepatócitos, portanto, maior os níveis de LDL colesterol (ou seja, pior para o coração!). Medicamentos capazes de bloquear o efeito dessa proteína já existem e inclusive são comercializados no Brasil, como é o caso do anticorpo monoclonal evolocumab. O uso desse medicamento levou a uma redução de mais de 60% nos níveis de LDL colesterol, com consequente impacto também na redução de eventos cardiovasculares (Confira em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/uso-prolongado-de-inibidores-de-pcsk-9/) .

E qual seria a vantagem de um siRNA capaz de inibir a PCSK-9?

Duas vantagens potenciais podem ocorrer. A primeira é a meia-vida muito mais longa do siRNA (meses em comparação a semanas com os anticorpos monoclonais), possibilitando por exemplo a administração via injeção subcutânea a cada seis meses. A segunda é o custo de produção muito menor com o siRNA, tornando a medicação mais acessível. Estudos com um destes siRNA, o inclisiran,  para redução de LDL e de eventos cardiovasculares estão em andamento e devem trazer uma nova ferramenta no tratamento da dislipidemia.

Além desse exemplo, em que outras situações o siRNA poderia ser útil no tratamento das doenças cardiovasculares?

Além do LDL, outras lipoproteínas aterogênicas têm papel na fisiopatologia da aterosclerose, como a lipoproteína (a). Um siRNA capaz de silenciar a síntese de lipoproteína (a), o olpasiran, já mostrou resultados promissores em um estudo de fase 2, sendo aguardados os estudos de fase 3 a fim de definir seu papel na redução de eventos aterotrombóticos (Mais detalhes, confira em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/reduzir-lipoproteinaa-na-doenca-cardiovascular/ ). No campo da hipertensão, o zilebesiran, um siRNA capaz de reduzir a síntese de angiotensinogênio, também está sendo testado em estudos clínicos. Quem sabe chegará um dia em que possamos tratar hipertensão com injeções semestrais, evitando assim o problema da má adesão ao tratamento com medicamentos via oral tomados diariamente? Já o patisiran, um siRNA capaz de silenciar a expressão da transtiretina, está sendo testado no tratamento da amiloidose TTR.

Em resumo, a chegada dos siRNA pode de fato revolucionar nossos conceitos  no tratamento das doenças cardiovasculares. Imaginemos por exemplo o uso de medicamentos capazes de atuar em um só alvo terapêutico, maximizando a eficácia e reduzindo efeitos adversos, e de uma forma extremamente conveniente de se utilizar (algo como uma “vacina” usada a cada semestre). Entretanto, antes de tudo, precisamos aguardar os resultados dos ensaios clínicos randomizados com metodologia e tamanho adequados, a fim de sacramentar a utilidade desta grande novidade na cardiologia.

 REFERÊNCIA

1- Braunwald E. Short interfering RNA: a rapidly developing drug class. Eur Heart J. 2022 Dec 7;43(46):4772-4774.

(https://academic.oup.com/eurheartj/article-lookup/doi/10.1093/eurheartj/ehac461)

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Remo Holanda

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