Coronariopatía Imagem cardiovascular

Angiotomografia de Coronárias na Angina Estável deveria ser a avaliação inicial em todos os pacientes?

Escrito por Lucas Cronemberger

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Segundo a sub-análise publicada recentemente no JACC Adv sobre o estudo DISCHARGE, sim1.
Esse ensaio clínico se propôs a avaliar se a angiotomografia de coronárias  seria superior ao cateterismo na avaliação inicial de pacientes com angina estável, usando um desfecho primário composto de morte cardiovascular, infarto (IAM) e acidente vascular encefálico (AVE) não fatal. Foram incluídos cerca de 3.600 pacientes, acompanhados por
3,5 anos, e dentre os resultados, observou-se que os pacientes mandados direto para o cateterismo tiveram maior taxa de revascularização (17,9% vs 13%) e mais complicações decorrentes do procedimento (1,9% vs 0,5%). Em relação ao desfecho primário, o estudo não foi capaz de comprovar superioridade do grupo avaliado pela angioTC, com taxa de eventos similar em relação ao grupo submetido a cateterismo (2,1% vs 3,0%, p = 0,10).
Baseado nisso, e considerando os resultados de estudos prévios como o PROMISE e o SCOT-HEART, os autores da análise defendem que é tempo de colocar a angiotomografia de coronárias como o novo exame de escolha na angina estável.  (Confira também nosso post: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/qual-o-futuro-da-angiotomografia-de-coronarias/)

Os autores argumentam que a angiotomografia de coronárias na angina estável:
1) Exclui boa parte dos pacientes sem DAC obstrutiva;
2) Identifica os pacientes com lesões críticas (ex: tronco) e que deveriam ser revascularizados de imediato;
3) Diminui o risco de complicações em relação ao cateterismo;
4) Permite a caracterização das placas e quantificação da carga aterosclerótica;
5) Proporciona identificação precoce da DAC não obstrutiva, e por consequência a otimização de tratamento clínico preventivo.

Analisando os dados do DISCHARGE2, entendem que seus resultados:
1) Corroboram os achados do estudo SCOT-HEART, no qual a longo prazo haveria menor risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) se a opção inicial de investigação de pacientes com DAC estável fosse feita com angiotomografia e não com a “estratégia usual”;
2) Reafirmaram a sua acurácia no diagnóstico de lesões coronarianas, e portanto não se justificaria o receio de pior desfecho ao abrir mão do exame invasivo (73% dos pacientes com DAC obstrutiva pela angiotomografia  tiveram de fato lesões importantes no cateterismo);
3) Não mostraram diferença quando analisados subgrupos por idade ou sexo, muito embora uma subanálise recente do estudo PROMISE tenha observado alta prevalência de calcificação coronária em pacientes > 65 anos, o que poderia ser uma limitação à acurácia do exame nesse perfil de pacientes;

Não se sabe até o presente momento qual seria de fato a melhor estratégia terapêutica para pacientes com DAC obstrutiva ou não.  Diversos estudos randomizados e controlados não viram diferença de desfecho entre começar a investigação de DAC estável por angiotomografia ou com métodos funcionais (ex: cintilografia, ecoestresse, ressonância, teste ergométrico).  O estudo ISCHEMIA corrobora o tratamento conservador inicial mesmo em pacientes de mais alto risco (isquemia moderada a importante ou DAC multiarterial)3.  Concluem dizendo que para pacientes com angina estável, o paradigma de encontrar lesão obstrutiva e ato contínuo “consertar mecanicamente” com stent ou cirurgia não é mais baseado em evidência. Além disso, entendem que a angiotomografia  de coronárias deve ser a estratégia não invasiva preferida para a avaliação inicial na angina estável.

Impressões pessoais sobre o tema:
1) Sobre o estudo DISCHARGE em si, não surpreende mostrar que usar angiotomografia no lugar do cateterismo, é seguro. Nos dias de hoje, mandar um paciente com suspeita de DAC estável direto para um exame invasivo é a exceção;
2) Os exames de imagem são mais bem indicados para pacientes com risco intermediário ou alto de suspeita de DAC. Em outras palavras: qual a chance dos sintomas reclamados no consultório serem de fato de origem coronariana? Se você concluir que essa chance não é baixa, possivelmente valerá a pena;
3) Na hora de escolher um exame, seja nos estudos seja nos congressos de cardiologia a discussão gira em torno de por onde começar: avaliação anatômica ou funcional;
4) Na vida real, claro que é importante saber o que pedir primeiro, mas convém lembrar que ao longo do acompanhamento muitas vezes é necessário conhecer tanto a anatomia quanto a repercussão funcional;
5) Foram citados dois grandes estudos sobre essa questão “do que pedir primeiro”, durante a análise dos resultados do DISCHARGE:
a) PROMISE trial: comparou angioTC vs “exames funcionais”. Cerca de 67% fizeram cintilografia, o restante eco estresse (12,5%) e teste ergométrico (10,2%). Apesar de juntar todos os métodos funcionais em uma “cesta” só, o
resultado foi neutro, isto é, pedir um ou outro como 1º exame de investigação não fez diferença em relação a desfechos;
b) SCOT-HEART trial4: comparou o acréscimo da angioTC à “estratégia usual” vs “apenas a estratégia usual”. Este usou como triagem o teste ergométrico simples. O estudo conta com limitações sérias do ponto de vista estatístico (o
número de eventos observados, por exemplo, foi bem aquém do esperado, reduzindo muito o seu poder de concluir qualquer coisa).
6) Na ausência de superioridade evidente entre métodos não invasivos anatômicos e funcionais, as últimas diretrizes (européia de coronariopatia crônica – 2019, americana de dor torácica – 2021, e européia de imagem não invasiva nas
síndromes coronarianas – 2022) sugerem uma abordagem que parece bastante racional5:
a) Se você está diante de um paciente com poucos fatores de risco, idade < 65 anos, começar com angioTC parece uma boa! Chance de descartar DAC obstrutiva, de avaliar DAC subclínica, e de influenciar no tratamento
medicamentoso.
b) Caso o seu paciente tenha muitos fatores de risco, idade > 65 anos, pedir primeiro um exame funcional ajuda a estabelecer relação causal entre a queixa do seu paciente e uma DAC que provavelmente está lá (a dor é por
isquemia mesmo? Coronariano também tem dor osteoarticular, muscular, refluxo, espasmo esofageano…).
c) Exame inicial alterado? Prosseguir a investigação!

Respondendo a pergunta inicial, a angiotomografia de coronárias deveria ser o exame inicial de escolha na angina estável?
Trata-se de uma opção excelente em vários cenários; exame bastante informativo, e que tem ganhado cada vez mais importância. Apesar do compreensível entusiasmo dos autores da análise do DISCHARGE publicada no JACC, não há entretanto evidência que dê suporte a essa generalização de conduta. A avaliação individualizada e o uso das opções de exames disponíveis com bom senso ao longo do acompanhamento são o melhor caminho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1) Trost J, Ferraro R, Sharma G, et al. CCTA Should Be the New Diagnostic Gateway for Evaluating
Intermediate-Risk Stable Angina Patients. JACC Adv. 2022 Oct, 1 (4) 1–4.
2) DISCHARGE Trial Group, Maurovich-Horvat P, Bosserdt M, Kofoed KF et al. CT or Invasive Coronary
Angiography in Stable Chest Pain. N Engl J Med. 2022 Apr 28;386(17):1591-1602 (https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2200963?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)
3) Maron DJ, Hochman JS, Reynolds HR et al. ISCHEMIA Research Group. Initial Invasive or
Conservative Strategy for Stable Coronary Disease. N Engl J Med. 2020 Apr 9;382(15):1395-1407;
4) SCOT-HEART investigators. CT coronary angiography in patients with suspected angina due to
coronary heart disease (SCOT-HEART): an open-label, parallel-group, multicentre trial. Lancet.
2015;385(9985):2383-91
5) Mendes, Lucas Cronemberger Maia; Lopes, Rafael Willain; Cerci, Rodrigo Julio; Brandão, Simone
Cristina Soares. Síndrome Coronariana Crônica: O que Esperar da Investigação e da Conduta após o
ISCHEMIA? ABC., imagem cardiovasc ; 33(1): [e000E2], 2020

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