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PET/CT para avaliar Endocardite: 10 tópicos que você não pode deixar de saber!

Escrito por Lucas Cronemberger

Esta publicação também está disponível em: Português

Recentemente tivemos a atualização dos famosos Critérios de Duke Modificados para o diagnóstico de endocardite infecciosa (EI), publicada na revista Clinical Infectious Diseases, além do lançamento das diretrizes da ESC para o manejo de Endocardite Infecciosa, no congresso europeu de cardiologia, no último mês de agosto. Em ambas, um dos pontos que chamou atenção foi o destaque dado ao PET/CT.

Antes de mais nada, devemos estabelecer que o ecocardiograma foi, é, e continuará a ser o primeiro exame de imagem a ser realizado em alguém com suspeita de EI. Simples, disponível, e visualiza a vegetação na válvula na maior parte das vezes. E se o paciente preencher os critérios “tradicionais” de Duke para EI definida, o diagnóstico estará dado.

Dito isto, nós do Cardiopapers elaboramos uma lista com 10 perguntas sobre PET/CT na endocardite infecciosa, respondendo o que você precisa saber.

1. Como funciona esse exame, para pesquisa de EI? usamos um análogo da glicose (18F-FDG), o mesmo utilizado na maior parte das aplicações na oncologia. Assim como tumores, processos inflamatórios e infecciosos consomem muita glicose. Portanto o racional é que se a válvula está infectada, haverá uma captação característica naquele local.

2. Quando pedir? quando após aplicar os critérios “clássicos” de Duke, você ficar em dúvida do diagnóstico (“EI possível”). O PET/CT tem uma ótima capacidade de reclassificar esses pacientes para EI definida ou para descartar o diagnóstico. Em uma recente metanálise com aproximadamente 500 pacientes em suspeita de EI em prótese valvar, dos 231 que receberam a classificação de possível EI pelos critérios clássicos de Duke, 84% tiveram o seu diagnóstico mudado após a realização do PET/CT: 125 para EI definida, 69 descartaram a hipótese, e apenas 37 permaneceram como possível EI.

3. Em que tipo de paciente ele tem melhor desempenho: os com prótese valvar, ou válvula nativa? O PET/CT tem sua melhor acurácia em pacientes com prótese, que são justamente aqueles em que o ecocardiograma tem maior dificuldade! Para se ter ideia, um dos maiores estudos atuais sobre o assunto avaliou quase 200 pacientes com válvula protética e suspeita de EI, e viu que o ecocardiograma transesofágico teve sensibilidade de 59% e acurácia de 78%, e os critérios de Duke “tradicionais”, 41% e 67%, respectivamente. Já o PET/CT, teve sensibilidade de 93%, e acurácia de 91% nesse cenário.

Fig 01 – Captação focal de 18F-FDG em válvula aórtica protética: A. imagem de fusão com a tomografia; B. Imagem do PET, sem a tomografia.

 

4. Ele ajuda também em válvula nativa? menos do que em pacientes com prótese valvar: no mesmo estudo que citamos acima, em 115 pacientes com válvula nativa, a acurácia do ecocardiograma foi de 83,5%, enquanto a do PET/CT de apenas 68%, muito por culpa da baixa sensibilidade (apenas 22% no estudo). Apesar disso, a especificidade é muito alta (próxima de 100%). Ou seja, é difícil captar 18F-FDG na válvula nativa infectada, mas quando acontece, é diagnóstico. Outro ponto que é interessante lembrar: o PET/CT é um exame de corpo inteiro, e portanto possibilita a avaliação de infecção a distância (e o faz de maneira mais precoce do que a tomografia), o que não é incomum nesses pacientes. Pode acontecer, então, do exame não visualizar nada na válvula nativa, mas detectar um abscesso hepático, ou esplênico, por exemplo, que dentro do contexto adequado corrobora com a suspeita clínica.

 

Fig 02 – Captação focal de 18F-FDG em válvula mitral nativa: A. imagem de fusão com a tomografia; B. Tomografia, sem o PET; C. Imagem do PET, sem a tomografia.

Fig 03 – Captação de 18F-FDG à distância, no baço: A. imagens de fusão com a tomografia; B. Tomografia, sem o PET.

 

5. Por que essa diferença de performance entre pacientes com e sem prótese valvar? provavelmente porque a reação inflamatória da infecção na válvula é diferente: nos que têm prótese, existe uma maior concentração de células polimorfonucleares (ávidas por glicose), e menos tecido fibrótico. Já em acometimento de válvulas nativas, acontece o contrário. Outro possível motivo é que as bactérias formam verdadeiros biofilmes nas próteses, enquanto nas nativas a vegetação é avascular, mais insidiosa, e pequena na maioria das vezes (<10 mm), o que dificulta a concentração de 18F-FDG.

6. E serve para avaliar a possibilidade de infecção de dispositivos cardíacos? é ótimo especialmente para avaliar a loja de dispositivos cardíacos (p. ex. de marcapasso / CDI), com uma sensibilidade de 93% e especificidade de 98%. No caso dos cabos, a sensibilidade cai para 68% e a especificidade para 88% (ajuda, já que outros exames têm acurácia ruim nesses casos, mas não chega a ser ótimo).

7. Precisa de algum preparo para fazer esse exame? Sim! E é uma etapa fundamental para o exame! Deve-se orientar o paciente a realizar uma dieta rica em gordura e pobre em carboidratos 24h antes, além de jejum de 12h, objetivando deixar o metabolismo cardíaco praticamente à base de ácidos graxos. O coração normalmente consome mais essa substância, mas também usa glicose: se não for feito o preparo direito, o coração capta difusamente o 18F-FDG e atrapalha a visualização das válvulas. Há serviços que também fazem uma dose de heparina endovenosa antes do exame, visando disponibilizar ainda mais ácidos graxos para o coração, e suprimir o consumo de glicose, mas isso não é obrigatório.

 

Fig 04 A. Paciente com preparo inadequado (metade superior), mostrando captação difusa no coração. O mesmo paciente após preparo adequado (metade inferior), mostrando supressão da captação habitual do miocárdio, e permitindo visualizar o acometimento valvar por EI.

8. A cirurgia por si só gera inflamação na região da válvula trocada, isso não pode gerar falso positivo? Sim! Existia até uma recomendação de só fazer o exame caso o paciente tivesse sido operado há pelo menos 3 meses. Alguns trabalhos não mostraram perda de acurácia quando feito em menos tempo, e hoje não há esse impedimento. Pode-se ainda utilizar de alguns parâmetros para ajudar na diferenciação: em geral na endocardite a captação é mais intensa e focal; e na inflamação pós manipulação cirúrgica, tende a ser menos intensa e de padrão mais difuso. Outra causa de falso positivo é o uso de adesivos cirúrgicos chamados BioGlue (Criolife) e um tipo específico de válvula protética mitral chamada Medtronic Mosaic.

9. E falso negativos, podem acontecer? como em qualquer exame, podem! Especialmente se o paciente já estiver há muitos dias em antibioticoterapia, e tiver uma PCR-us < 4 mg/dL (ou 40 mg/L). Portanto, quanto antes fizer a solicitação, no decorrer da investigação, melhor.

10. Finalmente, como ficaram as últimas diretrizes em relação ao seu uso na EI? O PET/CT entrou na atualização dos critérios de Duke, publicados em maio de 2023, como critério maior. Isto é, em paciente com quadro duvidoso, PET/CT positivo para endocardite, considerar tanto quanto um achado de vegetação no ecocardiograma! No caso de um exame positivo em paciente com troca valvar realizada há menos de 3 meses, ele também entra, porém como critério menor. E nas recém lançadas diretrizes da ESC, no congresso europeu de 2023 que acabou de acontecer em agosto, também é colocado como classe I de recomendação nos casos duvidosos em pacientes com prótese valvar e / ou com dispositivos cardíacos (para avaliar infecção de loja), e como critério menor (classe IIa) naqueles com válvula nativa, especialmente por ajudar na avaliação de lesões à distância.

Não podíamos deixar de mencionar que um dos trabalhos mais bem feitos e que tiveram maior peso para essa mudança de classificação dos critérios de Duke foi realizado no serviço de Medicina Nuclear do InCor-FMUSP, e isso deve ser motivo de orgulho para a ciência brasileira.

É provável que a partir de agora o PET/CT passe a fazer cada vez mais parte da rotina nessa patologia, considerando esse exame em casos selecionados do dia a dia!                           

Referências:
  • Horgan SJ, Mediratta A, Gillam LD. Cardiovascular Imaging in Infective Endocarditis: A Multimodality Approach. Circ Cardiovasc Imaging. 2020 Jul;13(7):e008956;
  • de Camargo RA, Sommer Bitencourt M, Meneghetti JC, Soares J, Gonçalves LFT, Buchpiguel CA et al. The Role of 18F-Fluorodeoxyglucose Positron Emission Tomography/Computed Tomography in the Diagnosis of Left-sided Endocarditis: Native vs Prosthetic Valves Endocarditis. Clin Infect Dis. 2020 Feb 3;70(4):583-594;
  • Ten Hove D, Slart RHJA, Sinha B, Glaudemans AWJM, Budde RPJ. 18F-FDG PET/CT in Infective Endocarditis: Indications and Approaches for Standardization. Curr Cardiol Rep. 2021 Aug 7;23(9):130;
  • Fowler VG, Durack DT, Selton-Suty C, Athan E, Bayer AS, Chamis AL et al. The 2023 Duke-International Society for Cardiovascular Infectious Diseases Criteria for Infective Endocarditis: Updating the Modified Duke Criteria. Clin Infect Dis. 2023 Aug 22;77(4):518-526;
  • Delgado V, Ajmone Marsan N, de Waha S, Bonaros N, Brida M, Burri H et al; ESC Scientific Document Group. 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. Eur Heart J. 2023 Aug 25:ehad193.

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