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A digoxina é um fármaco utilizado a mais de 200 anos pelos médicos por possuir propriedades específicas. Ao mesmo tempo que apresenta ação inotrópica positiva melhorando os sintomas de insuficiência cardíaca (IC), tem efeito cronotrópico negativo bloqueando o nó atrioventricular e portanto, reduz a frequência ventricular nas arritmias atriais, como: fibrilação atrial (FA), flutter atrial e taquicardia atrial.
Apesar do uso consagrado da digoxina na FA, poucos são os dados disponíveis na literatura até o momento. É neste contexto, que o brasileiro Renato Lopes, renomado professor da Duke University, acaba de apresentar o maior trabalho já feito sobre digoxina e FA no American College of Cardiology 2017.
O banco de dados do estudo Aristotle com mais de 18 mil pacientes com FA foi utilizado para esta análise. Nesta população, havia em torno de 6 mil pacientes recebendo digoxina. Foram realizadas duas análises: uma de prevalência, aonde se considerou os pacientes que já entraram no estudo Aristotle tomando digoxina, e outra de incidência, aonde se avaliou os pacientes que começaram a tomar digoxina durante o estudo. A dosagem sérica da digoxina foi determinada nestes pacientes. Apesar de não ter sido um estudo randomizado, cada paciente tomando digoxina foi pareado com 3 pacientes controles sem uso da medicação. Técnicas de propensity score foram utilizadas para se afastar possíveis efeitos confundidores.
Na análise de prevalência, ou seja, dos pacientes que já vinham tomando digoxina, não se encontrou qualquer associação entre digoxina e mortalidade. Na análise de incidência, ou seja, dos pacientes que começaram a tomar digoxina durante o estudo, portanto sem o viés de sobrevivência presente na análise anterior, o uso da digoxina aumentou em 78% a mortalidade comparada aos pacientes que não a usavam. O achado foi similar em pacientes com e sem IC, a morte súbita foi a principal causa de morte, que aconteceu nos primeiros 6 meses do início da medicação.
Por não ter sido um estudo randomizado não se pode falar de forma definitiva em relação causa-efeito. O pesquisador Renato Lopes conclui: na ausência de estudos randomizados, a digoxina deve ser evitada no cenário da FA, principalmente quando os sintomas conseguem ser manuseados com outras medicações como betabloqueadores e bloqueadores de canais da cálcio. Nos pacientes que já estão tomando digoxina, quando o médico assistente julgar necessário a manutenção do fármaco, a monitorização sérica deve ser feita, pois este estudo demonstrou um aumento de 19% na mortalidade para cada incremento de 0,5ng/ml na digoxinemia acima de 1,2ng/ml.
Resumo da ópera e opiniões do Cardiopapers
- Assim como os betabloqueadores e os bloqueadores de canais de cálcio, a digoxina é medicação classe I para controle de frequência cardíaca no Guideline Europeu de FA. Apesar do estudo falado acima ser observacional, provavelmente esta recomendação será alterada nos próximos guidelines, sendo a digoxina rebaixada em grau de recomendação.
- Frente a este novo estudo, a combinação de betabloqueadores bloqueadores de canais de cálcio parece ser mais segura até que estudos randomizados confirmem os achados acima.
- Quando for optado pelo uso da digoxina no paciente com FA, o ideal é que se dose a digoxinemia periodicamente, evitando-se níveis acima de 1,2 ng/mL.
- E como eu faço se não tiver digoxinemia no lugar em que eu trabalho e eu optar por usar a droga? Não há até o momento, nenhuma evidência que demonstre que doses baixas deste fármaco aumentem a mortalidade. Doses ≤ 0,125mg ao dia, em adultos com função renal normal, produzem, em média, digoxinemias ≤ 1,0ng/ml, que não se correlacionaram com elevações na mortalidade.