Arritmia Manchetes da Semana

Já Viu as Novidades da Nova Diretriz de Fibrilação Atrial Americana?

Escrito por Pedro Veronese

Esta publicação também está disponível em: Português

2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.08.017

TOP 10 TAKE-HOME MESSAGES

A seguir irei comentar os 10 pontos de maior destaque desta nova diretriz!!

1. Estágios da Fibrilação Atrial (FA)

A classificação prévia da FA, a qual é baseada somente na duração da arritmia, tendia a enfatizar as intervenções terapêuticas. A nova classificação proposta por esta Diretriz, em estágios, reconhece a FA como um contínuo, que requer uma variedade de estratégias nos diferentes estágios.

Estágio 1: Paciente em risco de desenvolver FA

Apresenta fatores de risco modificáveis (ex. obesidade, sedentarismo, HAS, SAHOS, DM, abuso de álcool etc.) e não modificáveis (genética, idade e sexo masculino). Esse paciente ainda não apresenta a doença.

Estágio 2: Pré-FA

Já há evidências de alterações estruturais ou elétricas predispondo à fibrilação atrial, ex. aumento atrial, ectopias atriais frequentes, taquicardia atrial não sustentada (TANS), flutter atrial, ou outros cenários de alto risco para FA como insuficiência cardíaca (IC), doença valvar, doença de artéria coronária (DAC), cardiomiopatia hipertrófica, doença tireoidiana e doenças neuromusculares.

Estágio 3: FA

Nesse estágio já há doença instalada.

3A – FA paroxística: duração ≤ 7 dias.

3B – FA persistente: duração > 7 dias.

3C – FA persistente de longa duração: > 12 meses.

3D – FA ablacionada com sucesso: livre de FA após ablação percutânea ou cirurgia para tratamento de FA.

Estágio 4: PA permanente

Aceita-se manter o paciente em FA. Não há novas tentativas de controle do ritmo após discussão entre o paciente e seu médico.

2. Prevenção e Modificação dos Fatores de Risco para FA

O Guideline ratifica que a modificação do estilo de vida e abordagem dos fatores de risco são pilares fundamentais no manuseio da FA para prevenir seu início, progressão e efeitos adversos. A abordagem desses fatores deve ser feita em todos os estágios da doença, com destaque para o controle da obesidade, perda de peso, realização de atividade física, cessação do tabagismo, restrição no consumo de álcool (no máximo ingesta moderada), tratamento rigoroso da HAS, etc.

3. Flexibilidade no Uso de Escores Clínicos de Risco e Expansão além do CHA2DS2VASc para Predizer o Risco de AVC e Embolia Sistêmica

O Guideline enfatiza a recomendação para anticoagulação oral baseada no risco anual de eventos embólicos demonstrado pelo CHA2DS2VASc escore. Entretanto, nos pacientes com risco intermediário: 1 ponto para homens e 2 para mulheres, outros fatores como biomarcadores (ex. proBNP), função e anatomia do átrio esquerdo e/ou apêndice atrial esquerdo, características eletrocardiográficas, burden de FA podem ser considerados etc.

A Diretriz destaca que há uma heterogeneidade entre as variáveis que valem um ponto, portanto, os indivíduos que têm um CHA2DS2VASc escore de 1 não apresentam, necessariamente, o mesmo risco de eventos embólicos. Como fazer isso na prática clínica ainda é algo incerto, destacam os autores.

4. Consideração dos Modificadores de Risco de AVC

Pacientes com FA com risco anual de evento embólico intermediário a baixo (< 2%) podem se beneficiar da consideração de fatores que podem modificar o risco embólico, como as características de sua FA (ex. burden de FA), fatores de risco não modificáveis (ex. sexo) e outros fatores modificáveis ou dinâmicos (ex. controle da HAS), que podem ser incluídos no compartilhamento de decisões entre o médico e o paciente. Por exemplo, um paciente hipertenso pontua 1 no CHA2DS2VASc escore. Mas será que o risco de um paciente hipertenso muito bem controlado é o mesmo de um hipertenso descontrolado? Seguramente não.

5. Controle de Ritmo Precoce

Veja o que a Diretriz destaca e recomenda sobre o controle de ritmo:

Em pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida e FA persistente (ou com alto burden), uma tentativa de controle de ritmo

deve ser recomendada para avaliar se a FA contribui para a redução da FEVE. (grau de recomendação 1 / nível de evidência BR)

Em pacientes com FA sintomática, controle do ritmo pode ser útil para melhorar sintomas. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-R)

Em pacientes com um diagnóstico recente de FA (< 1 ano), controle de ritmo pode ser útil para reduzir hospitalização, AVC e mortalidade. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-R)

Alguns estudos recentes sugerem o benefício de um controle de ritmo precoce. Entre eles, destaco o EAST-AFNET 4 (N Engl J Med. 2020;383:1305–1316. 13) publicado em 2020 no NEJM. A conclusão dos autores foi de que o controle de ritmo precoce na FA foi associado a um menor risco de eventos cardiovasculares, quando comparado ao tratamento convencional, entre pacientes com FA de início recente (diagnóstico ≤ 12 meses da randomização) e certas condições cardiovasculares de alto risco.

Em pacientes com FA e IC, controle de ritmo pode ser útil para melhorar sintomas a melhorar desfechos, como mortalidade e hospitalização por IC e isquemia. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-R)

Em pacientes com FA, a estratégia de controle de ritmo pode ser útil para reduzir a probabilidade de progressão de FA. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-NR)

Em pacientes com FA onde sintomas associados à arritmia são incertos, uma tentativa de controle de ritmo (ex. CVE ou química) pode ser útil para determinar se há relação ou não. (grau de recomendação 2b / nível de evidência C-LD)

Em pacientes com FA, a estratégia de controle de ritmo pode ser útil para reduzir a probabilidade de desenvolvimento de demência ou piora de alterações cardíacas estruturais. (grau de recomendação 2b / nível de evidência B-NR)

6. Ablação por Cateter de FA recebe Classe 1 de Indicação como Terapia de Primeira Linha em Pacientes Selecionados

Quais os pacientes que apresentam classe 1 de recomendação para ablação, veja a seguir:

Recentes estudos randomizados demonstraram a superioridade da ablação por cateter em relação aos antiarrítmicos (AA) para controle do ritmo em pacientes selecionados.

Em pacientes com FA sintomática cuja droga AA tenha sido inefetiva, contraindicada, não tolerada, ou recusada, e o controle contínuo de ritmo é desejado, ablação por cateter é útil para melhorar sintomas. (grau de recomendação 1 / nível de evidência A)

Em pacientes selecionados (geralmente jovens com poucas comorbidades) com FA paroxística sintomática e cujo controle de ritmo é desejado, ablação por cateter é útil como terapia de primeira linha para melhorar sintomas e reduzir progressão para FA persistente. (grau de recomendação 1 / nível de evidência A)

Em pacientes com flutter atrial sintomático ou clinicamente significante, ablação por cateter é útil para melhorar os sintomas. (grau de recomendação 1 / nível de evidência A)

7. Ablação por Cateter de FA em Pacientes Apropriados com ICFEr recebe Classe 1 de Indicação

Estudos randomizados recentes demonstraram a superioridade da ablação por cateter sobre as drogas AA para controle do ritmo em pacientes com ICFEr.

Destaco dois estudos. O primeiro foi o Castle- AF que mostrou o seguinte resultado após um seguimento médio de 5 anos: no desfecho primário composto por mortalidade por todas as causas ou internação por piora da IC, houve uma redução de 38% no grupo ablação em comparação ao grupo tratamento convencional (p = 0,007). Em relação aos desfechos secundários, sempre com benefício para o grupo ablação, os resultados foram: redução de 47% na mortalidade por todas as causas (p = 0,011), redução de 44% nas internações por piora da IC (p = 0,0004), redução de 51% na mortalidade cardiovascular (p = 0,008) e de 28% na hospitalização por causas cardiovasculares (p = 0,041).

O segundo estudo foi o Castle-HTX que avaliou 194 pacientes com FA sintomática, elegíveis para transplante devido a IC em estágio final (CF II, III ou IV) e FEVE ≤ 35%. Os pacientes foram randomizados para ablação por cateter vs AA. A conclusão foi que ablação foi associada com menor taxa de morte, transplante urgente ou necessidade de dispositivo de assistência ventricular quando comparada à terapia medicamentosa.

Em pacientes que se apresentam com um diagnóstico novo de ICFEr e FA, cardiomiopatia induzida por arritmia deve ser suspeitada e uma abordagem de controle de ritmo agressiva e precoce é recomendada. (grau de recomendação 1 / nível de evidência B-NR)

Em pacientes apropriados com FA e ICFEr com tratamento ótimo recomendado pelas diretrizes e com expectativa razoável de benefício do procedimento, ablação por cateter é benéfica para melhorar sintomas, qualidade de vida, função ventricular e desfechos cardiovasculares. (grau de recomendação 1 / nível de evidência A)

8. Recomendações foram Atualizadas para FA Detectada por Aparelhos

Para pacientes com episódios de alta frequência atrial detectada por devices durando ≥ 24h e com CHA2DS2VASc ≥ 2 ou risco de AVC equivalente, é razoável iniciar anticoagulação oral dentro de uma decisão compartilhada que considere a duração dos episódios e risco individual do paciente. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-NR)

Para pacientes com alta frequência atrial detectada por devices durando entre 5 min. e 24h e com CHA2DS2VASc ≥ 3 ou risco equivalente, pode ser razoável iniciar anticoagulação oral dentro de uma decisão compartilhada que considere a duração do episódio e risco individual do paciente. (grau de recomendação 2b / nível de evidência B-NR)

Para pacientes com alta frequência atrial detectada por devices durando < 5 min. e sem outras indicações de anticoagulação oral, a anticoagulação é contraindicada. (grau de recomendação 3 / nível de evidência B-NR)

A Diretriz destaca que os estudos ARTESIA e NOAH trarão mais evidências. Destaco que ainda não tínhamos o resultado desses estudos durante a confecção desta Diretriz. Porém, esses estudos já foram publicados no momento deste Post. Vamos ver o que estudos mostraram?

O estudo ARTESIA concluiu que entre pacientes com FA subclínica, apixabana resultou em menor risco de AVC ou embolismo sistêmico que a aspirina, mas com maior risco de sangramentos relevantes.

Estudo NOAH-AFNET 6 avaliou 2.536 pacientes com alta frequência atrial detectada por devices. Não havia detecção de FA clínica. Metade dos pacientes receberam edoxabana e a outra metade placebo/aspirina se já

houvesse indicação. A conclusão foi de que o anticoagulante causou mais sangramento sem prevenir AVC.

Veja que os resultados são contraditórios. Porém, uma meta-análise reunindo esses dois estudos mostra um cenário favorável à anticoagulação. Ela conclui assim: o resultado dos estudos NOAH-AFNET 6 e ARTESIA são consistentes entre eles. A meta-análise desses dois grandes estudos randomizados proporciona evidência de alta qualidade que anticoagulação oral com edoxabana ou apixabana reduz o risco de AVC em pacientes com FA detectada por devices e aumenta o risco de sangramento maior. )10.1161/circulation.123.067512)

9. Devices de Oclusão do AAE recebeu Classe de Recomendação mais Elevada

Veja o que a Diretriz Americana destaca sobre esse tópico:

Em pacientes com FA, risco moderado a alto de AVC (CHA2DS2VASc ≥ 2) e contraindicação à anticoagulação oral de longo prazo devido a uma causa irreversível, a oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo é razoável. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-NR)

Em pacientes com FA e risco moderado a alto de AVC e alto risco de sangramento grave por anticoagulação oral, a oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo (AAE) pode ser uma alternativa razoável à anticoagulação oral com base na preferência do paciente, com consideração cuidadosa do risco do procedimento e com o entendimento de que as evidências para a anticoagulação oral é mais extensa. (grau de recomendação 2b / nível de evidência B-R)

10. Recomendações são Feitas para Paciente com FA Identificada durante Doenças ou Cirurgias

A Diretriz destaca o risco de recorrência de FA descoberta durante doenças não cardíacas ou outros precipitantes como cirurgias.

Pacientes com FA identificada no contexto de doença médica aguda ou cirurgia devem ser aconselhados sobre o risco significativo de FA recorrente após a resolução da doença aguda. (grau de recomendação 1 / nível de evidência B-NR)

Em pacientes com FA identificada no contexto de doença médica aguda ou cirurgia, acompanhamento ambulatorial para estratificação de risco tromboembólico e tomada de decisão sobre início ou continuação de

anticoagulação oral, bem como a vigilância da FA pode ser benéfica dado o elevado risco de recorrência da FA. (grau de recomendação 2a / nível de evidência B-NR)

Em pacientes com FA identificada no contexto de doença crítica devido à sepse, os benefícios da anticoagulação durante a doença crítica para a prevenção do AVC é incerta. (grau de recomendação 2b / nível de evidência B-NR)

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Sobre o autor

Pedro Veronese

Médico Especialista em Clínica Médica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Cardiologista, Arritmologista e Eletrofisiologista pelo InCor-HCFMUSP.
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC.
Médico Especialista em Arritmia Clínica e Eletrofisiologia pela Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas - SOBRAC.
Médico do Centro de Arritmias Cardíacas do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Doutor em Cardiologia pelo InCor - HCFMUSP.
Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Estadual de Sapopemba e Hospital Estadual Vila Alpina.
Médico Chefe de Plantão do Pronto Socorro Central da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Medicina UNINOVE.

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