Coronariopatia

É o fim da Aspirina na Prevenção Secundária de DAC?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

As diretrizes atuais recomendam a aspirina para monoterapia antiplaquetária em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) estabelecida, mas essa prática se baseia em estudos históricos realizados nas décadas de 1970 e 1980, e o conceito tem sido desafiado nos últimos anos (veja mais aqui, e também neste outro post). Uma recente metanálise sugeriu que o antiplaquetário de escolha para a prevenção secundária de longo prazo em pacientes com DAC estabelecida pode ser um inibidor P2Y12, como clopidogrel ou ticagrelor, em vez de aspirina.

Vamos aos detalhes!

Foram incluídos mais de 24.000 pacientes de 7 ensaios clínicos randomizados. A maioria dos pacientes já teve um infarto do miocárdio prévio (56,2%), e aproximadamente 70% já haviam se submetido a algum procedimento de revascularização miocárdica (percutânea ou cirúrgica). A idade média dos pacientes era de 64 anos, e cerca de 22% eram mulheres.

Ao todo, 12.175 foram designados para a monoterapia com inibidor P2Y12 (62% receberam clopidogrel e 38% receberam ticagrelor); e 12.147 receberam aspirina isoladamente (as doses variaram de de 75 a 325 mg/dia).

Aqueles que usaram um inibidor P2Y12 mostraram uma redução de 12% no risco para o desfecho primário (composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio e AVC), durante uma mediana de cerca de 1,35 anos (HR 0,88; IC 95% 0,79 – 0,97; P = 0,012). A diferença foi impulsionada principalmente por uma redução de 23% no risco de infarto do miocárdio (HR 0,77; IC95% 0,66 – 0,90; P<0,001), com um NNT de 121. A mortalidade não foi afetada pelo tratamento antiplaquetário, nem o risco de AVC.

Embora ambos os grupos tenham sido semelhantes em relação ao risco de hemorragia maior, os pacientes que tomaram apenas o inibidor P2Y12 apresentaram menor risco de:

  • Sangramento gastrintestinal: HR 0,75 (IC95% 0,57 – 0,97; P = 0,027) – NNH = 500
  • Trombose definitiva de stent: HR 0,42 (IC95% 0,19 – 0,97; P = 0,028)
  • AVC hemorrágico: HR 0,43 (IC95% 0,23 – 0,83; P = 0,012) – NNH = 1.000
Esses resultados significam o fim do uso de aspirina para prevenção secundária de DAC?

É um estudo bem feito com implicações clínicas potencialmente importantes. Os achados têm plausibilidade biológica: os inibidores P2Y12 são agentes antiplaquetários mais potentes do que a aspirina, e agem menos sobre a integridade da mucosa gastrointestinal. No entanto, os resultados atuais são geradores de hipóteses, mas não definitivos. Vejamos!

A aspirina é uma opção bastante disponível, fácil prscrição, e relativamente fácil de tomar, com menos efeitos colaterais do que o ticagrelor, por exemplo. A metanálise assume um efeito de classe, e não fornece informações se o clopidogrel ou o ticagrelor seriam preferidos a longo prazo. A monoterapia com prasugrel não foi testada. A relação custo-benefício do inibidor P2Y12 de longo prazo em comparação com a aspirina (principalmente em relação a ticagrelor) não é clara.

Em resumo, embora esses dados sejam instigantes, tanto a aspirina quanto o inibidor de P2Y12 permanecem alternativas viáveis para a prevenção de eventos aterotrombóticos nos pacientes com DAC estabelecida. Estudos contemporâneos, head-to-head, entre inibidor de P2Y12 em monoterapia e aspirina em baixa dose seriam necessárias antes de se considerar aposentar definitivamente esta medicação. Mas é difícil pensar no interesse da indústria em financiar tal estudo.

Referência:

Gragnano F., Cao D., Pirondini L., et al. P2Y12 inhibitor or aspirin monotherapy for secondary prevention of coronary events. J Am Coll Cardiol . 2023;82:89-105.

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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