Coronariopatia Hemodinâmica

Stent bioabsorvível: qual a diferença para o stent convencional? Quando usar? Quando evitar?

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Recentemente com a publicação da série de estudos ABSORB que avaliou o desempenho do stent bioabsorvível de mesmo nome, passamos a contar com mais um dispositivo para o tratamento das lesões coronarianas.  Para entender o conceito por trás do dispositivo, em primeiro lugar, precisamos compreender que este novo grupo de stents, agora chamados de Suportes Vasculares Bioabsorvíveis (BVS), tem estrutura física diferente além de vantagens e desvantagens específicas quando comparados aos stents metálicos habituais (farmacológicos ou não farmacológicos).

Então, pra que serve um stent bioabsorvível? Para responder esta pergunta vamos fazer uma breve revisão da história da angioplastia coronariana…

No início, a dilatação da lesão era feita somente com um balão (ATC por balão). A desobstrução provocando aumento da luz do vaso (ganho luminal) acontecia na maior parte dos casos, mas dois grandes problemas apareceram. Primeiro, a lesão e a artéria se dilatavam com o balão mas depois tendiam a recuar um pouco retornando ao ponto de partida (recuo elástico) o que causava uma perda parcial precoce do resultado inicial. Segundo, o índice de dissecção da placa com oclusão aguda do vaso não era desprezível.

Neste contexto, foram desenvolvidos os primeiros stents metálicos que se propuseram a dar um arcabouço ao vaso de modo a impedir o recuo elástico além de corrigir as dissecções.

No entanto, a presença do metal (um corpo estranho) cronicamente em contato com a superfície do vaso, criou um novo problema: a indução da proliferação neointimal, uma espécie de má cicatrização, uma ”quelóide” que pode obstruir novamente o vaso (reestenose intrastent).

Por fim, foram criados os stents farmacológicos que mantêm as propriedades boas do stent metálico comum, mas reduzem muito o fenômeno da hiperplasia neointimal com a liberação de uma droga antiproliferativa sobre o endotélio do vaso.

Mas existem outros problemas que são relacionados ao stent de metal (tanto farmacológico quanto não farmacológico). E quais são?

  • a presença do metal continuamente em contato com a artéria pode induzir um processo inflamatório local crônico aumentando o risco de trombose e de nova progressão aterosclerótica (neoaterosclerose);
  • ao se implantar um stent, a região do vaso recoberta pelo metal perde as suas propriedades fisiológicas normais (ex: elasticidade, vasoconstrição, vasodilatação, etc.);
  • fazer anastamoses de enxertos (safena e mamária) em uma região onde existe um stent metálico pode não ser possível tecnicamente;
  • nos casos de tratamento de reestenose de stent com implante de um novo stent (mesmo que farmacológico) ocorre uma sobreposição de duas malhas de metal o que pode exacerbar todos os problemas que descrevemos acima.

Bem, dito isso… E se tivéssemos um dispositivo que: desobstrui o vaso, mantém um arcabouço sustentando o vaso nos primeiros meses após a angioplastia impedindo o recuo elástico, corrige as dissecções, libera uma droga antiproliferativa e depois desaparece do vaso não provocando os efeitos deletérios tardios da presença do corpo estranho? Pois é. Este é o conceito do BVS. Mas, claro, em se tratando das primeiras gerações desses dispositivos, nem tudo ainda é tão simples assim. Os stents bioabsorvíveis também tem seus pontos fracos.

Existem diversos tipos de BVS em desenvolvimento. Uns já comercializados, outros ainda em desenvolvimento. Vamos nos ater mais ao Absorb que é o dispositivo com maior evidência acumulada e já utilizado na prática. Este BVS tem um desenho muito semelhante ao de um stent metálico normal só que é feito de ácido polilático e não de metal. Entre 6 meses e um ano após o implante, o material começa a ser degradado, os resíduos entram no ciclo de Krebs celular, viram CO2 e H2O e são expelidos pelo organismo. O vaso volta a ter sua conformação normal e reestabelece suas funções fisiológicas.

Mas nem tudo são vantagens. Pontos fracos:

  • Este dispositivo é mais frágil, não devendo ser implantado sobre lesões duras (com muito cálcio)
  • Não deve ser usado para o tratamento de bifurcações complexas
  • Não tem ainda uma ampla variedade de tamanhos disponíveis (diâmetro e comprimento)
  • Não são visíveis ao raio X o que dificulta, por exemplo, o tratamento de lesões ostiais.
  • Do ponto de vista clínico, quando comparado aos stents farmacológicos, o Absorb mostrou taxas de eventos clínicos (morte cardíaca, infarto e revascularização da lesão alvo) semelhantes porém com uma tendência de aumento na taxa de trombose, tanto no estudo randomizado (Absorb trial) quanto no registro de mundo real (Ghost Register). Algumas explicações existem para isso. Primeiro, o fato da haste do Absorb ser mais grossa do que a de um stent farmacológico de metal, pode propiciar trombose, especialmente em vasos finos. Segundo, por ser um material mais delicado e com hastes mais grossas, é muito importante o dimensionamento correto do tamanho da prótese em relação ao tamanho do vaso. Embora não seja obrigatório utilizar uma modalidade de imagem intravascular (ultrassom ou OCT) para escolher melhor o tamanho da prótese e diminuir o risco de trombose, esta é uma estratégia recomendada sobretudo no início da curva de aprendizado com o BVS. E no estudo, apenas 20% dos implantes foram realizados sob utilização de uma imagem intravascular.

Por fim, respondendo ao questionamento no título deste post sobre os stents bioabsorvíveis…

Opinião pessoal:

  • Por que usar? Porque, do ponto de vista fisiopatológico, o racional é muito interessante, e do ponto de vista científico, os desfechos clínicos duros são bons.
  • Para quem indicar? Sobretudo para pacientes jovens, com lesões focais (fáceis de tratar) ou muito longas (que precise metalizar a artéria), sem calcificação, de vasos minimamente calibrosos (diâmetro > 2,5 mm).
  • Quando evitar? Lesões com calcificação importante, lesões ostiais (difícil posicionar o BVS), bifurcações complexas que precisem de dois stents (ramo principal e ramo lateral), vasos finos (< 2,5 mm) ou muito calibrosos (> 4,0 mm).

Abaixo colocamos algumas imagens que demonstram a evolução do processo de absorção do BVS visto pela OCT.

Captura de Tela 2016-05-11 às 08.35.24 Leitura recomendada:

  • Ellis S.G., Kereiakes D.J., e Stone G.W. ABSORB III – Everolimus-Eluting Bioresorbable Scaffolds for Coronary Artery Disease. N Engl J Med 2015; 373:1905-1915.
  • Capodanno D., Gori T. e Tamburino C. Percutaneous coronary intervention with everolimus-eluting bioresorbable vascular scaffolds in routine clinical practice: early and midterm outcomes from the European multicentre GHOST-EU registry. EuroIntervention. 2015 Feb;10(10):1144-53.

 

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Sobre o autor

Eduardo Pessoa de Melo

Residência em Cardiologia pelo InCor/FMUSP
Título de Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Cardiologia Intervencionista pelo InCor/FMUSP
Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista
Cardiologista Intervencionista do PROCAPE/UPE
Cardiologista Intervencionista da Rede D'Or São Luiz:
- Hospital Esperança
- Hospital Esperança Olinda
- Hospital São Marcos

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