Coronariopatia Hemodinâmica

Angina estável: fazer angioplastia ou não fazer, eis a questão!

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

Alivar a angina é a principal razão pela qual pacientes com doença arterial coronariana estável são submetidos à angioplastia. A evidência de que a intervenção coronária percutânea reduz a angina vem de ensaios clínicos não-cegos, nos quais o efeito global da angioplastia sobre os sintomas é o resultado de um componente físico somado a um efeito placebo. Os resultados do ORBITA não mostrou nenhum efeito significativo da angioplastia no tempo de exercício em esteira em pacientes com angina em uso de medicações antianginosas.

Mas, e se não for possível intensificar tratamento medicamentoso para a angina, ou ainda o paciente preferir angioplastia à medicações, qual o benefício neste cenário? Esta foi a pergunta que o estudo ORBITA-2 buscou responder.

Vamos aos detalhes do estudo!

No ORBITA-2, 301 pacientes com angina estável foram randomizados para tratamento com angioplastia (n=151) ou um procedimento sham placebo (n=150).

Os pacientes eram elegíveis para participação se fossem considerados clinicamente adequados para angioplastia pela equipe responsável, tivessem angina ou equivalente anginoso, e evidência anatômica de pelo menos uma estenose coronariana grave, além de testes positivos para isquemia (invasivos (fisiológicos) ou não-invasivos).

No momento da inscrição, os pacientes interromperam o tratamento com medicamentos antianginosos. Os medicamentos anti-hipertensivos com propriedades antianginosas foram substituídos por agentes alternativos. Caso o paciente utilizasse betabloqueador para insuficiência cardíaca ou controle da frequência cardíaca para fibrilação atrial, estes foram continuados e considerados na análise estatística. Outras drogas não-anginosas, como antiplaquetários e estatinas foram prescritos normalmente. 

No grupo angioplastia, foi exigida a revascularização completa angiográfica e fisiológica dos vasos-alvo, e o uso de imagem intravascular foi incentivada. Logo, nos pacientes com doença arterial coronariana multivascular, todos os vasos foram tratados durante o mesmo procedimento. Os pacientes no grupo placebo permaneceram sedados, sem nenhuma intervenção adicional, por pelo menos 15 minutos após a randomização.

A idade média dos pacientes era de 64 anos, e 21% eram mulheres; 96% apresentavam sintomas de classe II ou III da CCS, 80% apresentavam doença uniarterial, e 17,0% eram biarteriais.

Quais os principais achados do estudo?

Os resultados principais indicaram que, em pacientes com angina estável e isquemia documentada por estenoses coronárias graves, sem terapia antianginosa, a angioplastia resultou em melhora na frequência de angina e nos tempos de exercício comparado a um procedimento placebo.

  • Desfechos primários para angioplastia vs. placebo:
    • Média de pontuação de sintomas de angina: 2,9 vs. 5,6 (OR 2,21 – IC95% 1,41-3,47, p<0,001).
    • Frequência média diária de angina: 0,3 vs. 0,7 (OR 3,44 – IC95% 2,00-5,91).
  • Desfechos secundários para angioplastia vs. placebo:
    • Tempo médio de exercício em esteira: 700,9 vs. 641,4 segundos.
    • Questionário de Angina de Seattle – liberdade de angina: 80,6 vs. 66,2.
    • Classe CCS: 0,9 vs. 1,7.
Mas não era esperado que angioplastia fosse melhor que placebo para angina?

Talvez esses resultados pudessem até “serem esperados” (afinal, era a hipótese primária do estudo), mas ainda não havia um estudo que tivesse demonstrado este efeito da angioplastia para além do tratamento antianginoso.

Nas atuais diretrizes norte-americanas, por exemplo, tanto a medicação quanto a angioplastia desempenham um papel proeminente no tratamento de pacientes sintomáticos com DAC. Mas, o tratamento clínico otimizado ainda é considerado a terapia de primeira linha (indicação classe 1), e a ICP reservada para aqueles que falham na terapia antiaginosa. 

Durante a apresentação do estudo, os autores afirmaram que, agora, os “médicos e pacientes poderão escolher entre dois caminhos iniciais para melhorar a angina: medicação ou angioplastia“. No entanto, isso tem que ser visto com parcimônia.

  ♦ Se a angioplastia pode ser adotada como estratégia inicial para angina e estenoses coronárias importantes, antes que os pacientes tenham tentado e falhado com antianginosos pode ser um conceito interessante, mas não é realmente a hipótese que foi testada neste estudo. Embora a polifarmácia possa ser um problema importante para pacientes idosos, as medicações antianginosas em geral são seguras e baratas comparadas à angioplastia coronária.

  ♦ A angioplastia possui custos e riscos/efeitos adversos significativamente maior que as medicações antianginosas. Além disso, a melhora sintomática no ORBITA-2 foi relativamente “modesta”. Afinal, era esperado um efeito positivo quando se inclui pacientes com angina significativa, doença coronária obstrutiva e confirmação fisiológica de fluxo limitado. Mesmo assim, observem que mesmo no grupo angioplastia (submetido a revascularização completa), a média diária de angina foi de 0,3, ou seja, 1 episódio a cada 3 dias aproximadamente.

  ♦ Quase 60% dos pacientes continuaram a apresentar sintomas após a angioplastia, e isso reforça o quanto doença coronariana é desafiadora. Afinal, deveríamos ser capazes de identificar se e quais estenoses coronárias são responsáveis ​​pelos sintomas de um paciente… Mas, isso mostra que ainda temos uma lacuna entre a doença coronária epicárdica e o que realmente provoca os sintomas anginosos em determinados pacientes. O mecanismo subjacente à angina residual após uma angioplastia bem-sucedida é curioso e precisa ser mais explorado.

  ♦ Por fim, identificar com mais precisão quais pacientes com angina estável se beneficiarão da angioplastia (a ponto de praticamente eliminar sintomas), bem como do tratamento medicamentoso, continuará a ser uma meta importante para os pesquisadores.

Referência

Rajkumar CA, Foley MJ, Ahmed-Jushuf F, et al., on behalf of the ORBITA-2 Investigators. A Placebo-Controlled Trial of Percutaneous Coronary Intervention for Stable Angina. N Engl J Med 2023;Nov 11:[Epub ahead of print].

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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