Coronariopatia Terapia Intensiva Cardiológica

Devo corrigir ostensivamente a anemia no paciente com infarto?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

Anemia é comum em pacientes com infarto agudo do miocárdio. As indicações para transfusão de hemácias permanecem controversas nesses pacientes, dada a escassez de evidências. Uma estratégia comumente vista é transfundir o paciente apenas quando o nível de hemoglobina cai abaixo de 7 ou 8 g/dL. No entanto, não é claro se os pacientes com infarto agudo do miocárdio poderiam se beneficiar de níveis mais elevados de hemoglobina.

Transfundir ou não transfundir?

O estudo MINT, um ensaio clínico randomizado, avaliou os efeitos de estratégias liberais versus restritivas de transfusão sanguínea em pacientes com infarto agudo do miocárdio e anemia concomitante.

O estudo incluiu 3.504 pacientes com hemoglobina (Hb) <10 g/dL, randomizados em dois grupos:

  • Grupo estratégia liberal (n = 1.755) – transfusão imediata de 1 unidade de concentrado de hemácias (PRBC) e transfusões adicionais conforme necessário para manter a concentração de Hb ≥10 g/dL;
  • Grupo estratégia restritiva (n = 1.749) – as transfusões eram permitidas para Hb <8 g/dL, e fortemente recomendadas para Hb <7 g/dL e obrigatórias para angina persistente refratária à farmacoterapia, independentemente da Hb.

Foram incluídos pacientes com infarto agudo do miocárdio e Hb < 10 g/dL nas primeiras 24h antes da randomização. Os pacientes tinham em média 72 anos, sendo 45% do sexo feminino, 81% se apresentaram com IAM SEM supra de ST, e 65% tinha doença coronariana multiarterial.

Quais os principais achados do estudo?

O desfecho primário em 30 dias (morte por todas as causas ou infarto não fatal recorrente) ocorreu em 16,9% no grupo restritivo versus 14,5% no grupo de transfusões liberais (RR 1,15, IC95% 0,99-1,34, p = 0,07).

Desfechos secundários incluíram:

  • Morte por todas as causas: 9,9% vs. 8,3%, RR 1,19 (IC 95% 0,96-1,47).
  • Infarto não fatal recorrente: 8,5% vs. 7,2%, RR 1,19 (IC 95% 0,94-1,49).

Análises adicionais mostraram:

  • Incidência de insuficiência cardíaca: 5,8% vs. 6,3%, RR 0,92 (IC 95% 0,71-1,20).
  • Morte cardiovascular: 5,5% vs. 3,2%, RR 1,74 (IC 95% 1,26-2,40).
Interpretação e Implicações para a Prática Clínica

Os resultados do MINT sugerem que, em pacientes com infarto agudo do miocárdio e anemia concomitante, uma estratégia liberal de transfusão visando uma concentração de Hb ≥10 g/dL não foi superior a uma meta restritiva de 7-8 g/dL em relação à morte por todas as causas ou infarto não fatal em 30 dias.

Existem dados limitados para orientar os limiares de transfusão no cenário do infarto agudo complicado por anemia. O estudo REALITY (n = 668) demonstrou anteriormente a não inferioridade de uma estratégia transfusional restritiva no infarto do miocárdio em relação a eventos cardiovasculares adversos maiores em 30 dias. Contudo, os autores do estudo observaram que a margem de não inferioridade de 1,25 poderia incluir eventos adversos clinicamente relevantes.  Considerando estes dados, a tendência para o benefício clínico observada no MINT sugere que pode ser razoável considerar uma estratégia de transfusão liberal no infarto do miocárdio sem um risco de danos.

Esses resultados exigem uma interpretação cuidadosa: o estudo não produziu uma diferença estatisticamente significativa entre as duas estratégias de transfusão para o desfecho primário. Temos que ter muito cuidado em analisar os resultados como “tendência de melhores resultados” com a transfusão liberal. Pesquisas futuras são necessárias para esclarecer ainda mais a controvérsia em torno das decisões de tratamento nesta população de pacientes.

Referência

Carson JL, Brooks MM, Hébert PC, et al., on behalf of the MINT Investigators. Restrictive or Liberal Transfusion Strategy in Myocardial Infarction and Anemia. N Engl J Med 2023;Nov 11:[Epub ahead of print].

Banner Atheneu

Banner Atheneu

Banner Atheneu

Banner ECG

Deixe um comentário

Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

Deixe um comentário

Seja parceiro do Cardiopapers. Conheça os pacotes de anúncios e divulgações em nosso MídiaKit.

Anunciar no site