Coronariopatia

Abordagem Prática na Doença de Tronco da Coronária Esquerda

Escrito por Lucas Cronemberger

Esta publicação também está disponível em: Português

Enquanto a Copa do Mundo 2022 começava no Catar, era publicada no JACC uma revisão campeã sobre o estado da arte na abordagem da doença de tronco da coronária esquerda significativa, isto é, com estenose luminal >50%. Geralmente é associada a lesões em outras coronárias em 94-96% dos pacientes, e em 61% das vezes a lesão é distal, envolvendo a bifurcação para a coronária descendente anterior e circunflexa. É uma das mais temidas na Cardiologia, já que o tronco da coronária esquerda irriga entre 75 a 100% do miocárdio, e a mortalidade em caso de tratamento clínico isolado é de 73% em 15 anos. As evidências e o senso comum apontam para a necessidade intervenção, a grande discussão é saber quem vence o título de melhor procedimento a ser feito: a seleção dos cirurgiões cardíacos, ou a dos hemodinamicistas?

Para responder, é necessário avaliar em cada caso os aspectos clínicos, os relacionados ao procedimento em si, e ainda os institucionais.

  • Favorecem escolher cirurgia cardíaca na doença de tronco da coronária esquerdadiabetes, de doença coronariana multivascular complexa, de disfunção ventricular esquerda; concomitância de doenças da aorta ou valvulares que precisem cirurgia; reestenose de stents; lesões de difícil abordagem completa por via percutânea; e contraindicação ao uso de dupla antiagregação plaquetária.
  • Favorecem angioplastia coronariana doença de tronco da coronária esquerda: idade avançada; fragilidade clínica; deformações torácicas; aorta em porcelana; radioterapia prévia no tórax; doença pulmonar ou renal grave; enxertos cirúrgicos inadequados; dificuldades em realizar reabilitação; infarto com supra de ST ou choque cardiogênico.
  • Casos para se considerar tratamento clínico doença de tronco da coronária esquerda: comorbidades importantes; fragilidade extrema; expectativa de vida reduzida; preferência consciente do paciente.

Lembre-se: doença de tronco isolada é incomum! Mais fácil tê-la associada a mais lesões. Considere isso na hora de decidir se indica cirurgia ou angioplastia. Deve-se avaliar também a viabilidade de se fazer o procedimento (dá pra colocar um stent ou uma ponte ali?).

Considerações técnicas sobre a angioplastia de tronco: o uso de imagem ou fisiologia intravascular é útil.  Se a área luminal for maior que 6 mm² no ultrassom intracoronariano, e/ou o FFR (reserva de fluxo fracional) > 0,8, em geral não há necessidade de intervir. Outro aspecto, especialmente em lesão na bifurcação e em pacientes instáveis, é a possibilidade do uso associado de dispositivos circulatórios, como o Impella e o balão intra-aórtico.

Cirurgia Cardíaca : é mais fácil de se conseguir revascularização completa na doença de tronco da coronária esquerda do que com a angioplastia.  Preferir o uso de enxertos arteriais; a mamária esquerda é o  padrão ouro em termos de durabilidade e sobrevida. A mamária direita  e a radial podem ajudar (mais detalhes confira em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/mamaria-direita-na-revascularizacao-do-miocardio/).

Em relação a ensaios clínicos comparando angioplastia versus cirurgia cardíaca na doença de tronco da coronária esquerda, temos 4 grandes estudos.  Apesar de todos terem taxa de eventos numericamente menor no grupo cirurgia, os estudos SYNTAX e PRECOMBAT foram apenas geradores de hipótese; e no EXCEL, estatisticamente a angioplastia foi não inferior. Já no NOBLE, foi considerada inferior à cirurgia cardíaca, juntando todos os desfechos (para detalhes estatísticos e análise pormenorizada de alguns estudos, clique aqui https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/lesao-de-tronco-de-coronaria-esquerda/). Ao se avaliar as meta-análises do tema e individualizando os desfechos, não parece haver diferença de mortalidade (e se tiver, estima-se que ainda assim seria menos de 0,2% de diferença entre os grupos).

Chegamos até aqui com muito treino, preleção e demonstração tática. Mas na final,  o que interessa é botar a bola na rede. Em sumo, diante de um paciente com doença de tronco da coronária esquerda relevante:

  • Sempre imagine que é preciso intervir;
  • Se você pensou em cirurgia, há grande chance de estar correto;
  • Se a doença não é tão complexa , a angioplastia pode ser uma opção;
  • Se doença de tronco da coronária esquerda entre 50-70%, é uma boa opção avaliar a repercussão funcional e usar a imagem na ponta do catéter;
  • Parece clichê, mas individualize a conduta. Boa parte dos pacientes do dia a dia com lesão de tronco seriam excluídos dos rígidos padrões dos ensaios clínicos, e os resultados do seu serviço nem sempre se parece com os dos estudos.
  • Doença difícil, decisão compartilhada: discuta com o “heart team”. Colocar o paciente e a família no centro do processo de decisão conjunta, após os devidos esclarecimentos, é necessário.

Na Copa do Mundo da FIFA, infelizmente a taça não veio, mas na doença de tronco de coronária esquerda, o “hexa” descrito acima parece ser um bom caminho para a vitória!

REFERÊNCIA:

  • Davidson LJ, Cleveland JC, Welt FG, Anwaruddin S, Bonow RO, Firstenberg MS, Gaudino MF, Gersh BJ, Grubb KJ, Kirtane AJ, Tamis-Holland JE, Truesdell AG, Windecker S, Taha RA, Malaisrie SC. A Practical Approach to Left Main Coronary Artery Disease: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2022 Nov 29;80(22):2119-2134. doi: 10.1016/j.jacc.2022.09.034. PMID: 36423996.  (https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0735109722070267?via%3Dihub)

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Lucas Cronemberger

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