Insuficiência Cardíaca

Afinal, os inibidores de SGLT2 são apenas “diuréticos de luxo”?

Escrito por Remo Holanda

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Desde os estudos em diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e, mais recentemente, com a publicação dos estudos em insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) e em insuficiência renal crônica (IRC), os efeitos dos inibidores de SGLT2 (sodium-glucose co-transporter 2) têm chamado bastante atenção da comunidade médica. Entretanto, seriam os efeitos salutares desta classe na ICFER, DM2 e IRC apenas secundários à diurese osmótica? Nos estudos em ICFER, o resultado seria o mesmo se, ao invés de iniciar o inibidor de SGLT2, tivéssemos apenas escalonado a dose de diurético de alça?

Uma sub-análise muito interessante do estudo DAPA-HF recentemente publicada no periódico Circulation traz esclarecimentos a esta pergunta. Nesta publicação, Jackson AM e cols. analisaram o benefício da dapagliflozina na redução de eventos cardiovasculares (CV) na ICFER de acordo com a dose de furosemida utilizada no basal. Nesta publicação, não houve qualquer interação entre o uso de diurético e a redução do desfecho composto de morte CV ou piora da IC, mostrando que tanto pacientes sem diurético, como aqueles em uso de diurético (independente da dose), tiveram benefício com a dapagliflozina em relação ao placebo (p para interação = 0,61). Na mesma publicação, o risco de sintomas de depleção de volume com a dapagliflozina em relação ao placebo foi maior nos pacientes em uso de doses altas de diuréticos, sugerindo que na prática clínica devemos de preferência reduzir um pouco a dose de furosemida ao introduzir tais medicações nos nossos pacientes (algo que já costumamos fazer ao progredir dose de IECA/BRA).

O que estes resultados sugerem? Trata-se de uma evidência convincente e intrigante de que, ao contrário do que muitos pensam, o mecanismo de ação principal dos inibidores de SGLT2 não deva ser meramente pelo efeito diurético adicional. Portanto, o argumento de que bastaria aumentar a dose de furosemida no paciente com ICFER e teríamos o mesmo efeito não encontra sustentação em evidências. Aliás, esta sub-análise reforça que existe, sim, a prova de conceito, além do resultado pragmático¸ que justifique o uso desta classe de medicamentos em pacientes com ICFER. Outros argumentos poderiam ser acrescentados que corroboram esta prova de conceito:

1) Além de tratar a IC, os inibidores de SGLT2 previnem o surgimento de IC, em pacientes com DM2 (vide Zelniker et al. Lancet 2019);

2) os inibidores de SGLT2, além de reduzirem hospitalização por IC, reduzem o risco de eventos cardiovasculares aterotrombóticos nos pacientes com DM2 e alto risco CV, havendo uma redução de re-infarto comparável a outras terapias usadas em prevenção secundária nos indivíduos com DM2 e infarto prévio (vide Furtado et al. Circulation 2019);

3) os inibidores de SGLT2, ao contrário dos diuréticos tradicionais, previnem, ao invés de causar, piora da IRC com o tempo (vide o recém estudo apresentado e ainda não publicado DAPA-CKD);

4) os inibidores de SGLT2, ao contrário do que ocorreria com um diurético tradicional, aparentemente levam a uma maior proteção CV quanto pior a função renal, apesar de o efeito glicosúrico reduzir drasticamente à medida em que a função renal se deteriora;

5) o diurético tolvaptan, um bloqueador dos receptores de arginina-desmopressina (antigo hormônio anti-diurético), apesar de levar a um clearance de água livre (imitando a diurese osmótica com os inibidores de SGLT2) e aumento robusto da diurese, melhorou sintomas mas não reduziu risco de hospitalização ou mortalidade em pacientes com IC.

Mas se o efeito principal dos inibidores de SGLT2 na IC não se dá por meio da diurese osmótica, qual seria a explicação? Esta é uma pergunta que intriga a comunidade científica e para a qual não há resposta. Muitas revisões interessantes sobre isso já foram publicadas (por exemplo, Zelniker, Braunwald JACC 2019 e Verma, Farkouh JACC 2019). Entre as hipóteses, existem modulação do sistema simpático, melhora do metabolismo energético, prevenção da sobrecarga de cálcio no miócito e aumento de eritropoietina. Entretanto, estas hipóteses devem ser investigadas ainda em futuros estudos.

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