Arritmia Atividade Física

Atletas com CDI: é possível liberar para o exercício competitivo ?

Escrito por Silvio Póvoa

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Nessa Copa do Mundo teremos um fato interessante. Dois atletas, o defensor holandês Blind e o meio campista dinamarquês  Eriksen competirão o maior evento futebolístico do mundo sendo portadores de um Cardiodesfibrilador Implantável (CDI). Mas será possível a liberação para competição de atletas de alto rendimento com implante de CDI? 

Após o evento de Eriksen na última Eurocopa, há um debate maior na comunidade médica quanto à elegibilidade desses atletas à prática de atividades físicas competitivas. Na época, Eriksen teve seu contrato rescindido com a Internazionale de Milão uma vez que a Liga Italiana não permite jogadores portadores de CDI competindo. Blind , segundo notícias, teve um quadro de miocardite, enquanto o diagnóstico de Eriksen não foi liberado na mídia.

O primeiro questionamento a ser feito nesses casos é a doença subjacente ao motivo pelo qual o paciente implantou um CDI.
Imagine dois exemplos

1) Atleta 1: Teve um quadro de miocardite que predispôs  a uma Taquicardia ventricular no esforço. Optou-se por colocar um CDI como profilaxia secundária. Em avaliação após 6 meses não foram encontradas evidências de arritmias no esforço, função ventricular preservada e ausência de realce tardio na Ressonância Nuclear Magnética

2) Atleta 2: Teve um quadro de Taquicardia Ventricular Sustentada em treino. Foi manejado adequadamente conforme protocolo do ACLS. Em investigação recebeu o diagnóstico de Displasia Arritmogênica do VD e foi instalado CDI.

Vejamos que nos dois casos acima temos dois atletas que foram submetidos ao implante de CDI. Porém temos duas doenças de base diferentes. A primeira provavelmente resolvida e a segunda se mantém, independente da instalação ou não do CDI.

Então aqui reside a primeira conclusão: a colocação do CDI NÃO é motivo para manter a prática do exercício competitivo. Ou seja, não se instala um CDI em um atleta visando liberá-lo para a prática de atividades físicas competitivas. Tal fato é tão verdade que a Diretriz de Cardiologia da ESC coloca tal medida como indicação III C1.

Em Registro Multinacional publicado em 20172,  atletas com CDI que se engajaram em atividades físicas vigorosas não apresentaram lesões ou falhas em resolver arritmias, apesar de ocorrência de choque inapropriado em alguns.  De 440 participantes (393 em esportes de grupo e 47 em esportes de alto risco), 20% tinha Síndrome do QT Longo, 17% com miocardiopatia hipertrófica e 13% com Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito . Desses, 201 tinham histórico pré implante de CDI  de Fibrilação Ventricular (FV) ou Taquicardia Ventricular (TV) durante esportes, sendo que 30% tiveram eventos durante a  o prática de esportes. Nesse estudo não foram evidenciadas mortes por taquiarritmias ou necessidade ressuscitação  externa de taquiarritmias . Houve ainda uma taxa de 3 choques por pessoa-ano. Houve maior taxa de choques durante o esforço que durante o repouso.

Em coorte europeia, praticantes de atividades físicas portadores de CDI tiveram menos choques apropriados e inapropriados do que em esportes competitivos. As principais causas de choques inapropriados foram taquicardia sinusal ou taquicardias supraventriculares3.

Vale lembrar que em algumas situações clínicas, como na Displasia Arritmogênica do VD, há progressão da doença com a prática esportiva. Dessa forma, o exporte competitivo é proscrito nessas condições4.

Além disso, vale lembrar do impacto isicológico que um choque pode trazer para o atleta com CDI .  30-40% dos atletas que tiveram um choque, mesmo apropriado, cessaram atividades físicas temporariamente ou definitivamente5.

Outro fato a ser avaliado é a possibilidade de trauma torácico. Isso visto que o Gerador do CDI é na maioria das vezes implantado na região torácica. Dessa forma, deve ser discutida a restrição a esportes com possibilidade de trauma torácico

O Consenso Europeu de Arritmias no Esporte de 20216  traz os 4 Ds para a Decisão Clínica em Atletas com CDI:

Danger (Perigo), que consiste na avaliação do perigo para o  atleta e para as pessoas ao seu redor na sua tomada de decisão, inclusive do ambiente na qual a atividade física está sendo feita. De forma elegante, o Consenso Europeu traz que cada indivíduo tem direito de tomar suas decisões uma vez avaliados e expostos os riscos.

Disease (Doença). A doença subjacente tem importante peso na decisão de liberação para a atividade física.

Device (dispositivo) . Após 6 semanas do implante a atividade física pode ser retomada nos casos liberado para fazê-la.  Além disso o atleta deve estar ciente de possíveis limiares do dispositivo.  Um cut-off > 200 bpm provou-se seguro e reduziu a ocorrência de choques inapropriados.

Dysrhythmia (arritmia) Tanto arritmias atriais (choques inapropriados) quanto ventriculares podem predispor choques e comprometimento hemodinâmico. Dessa forma, o limiar para ablação nesses pacientes atletas deve ser mais baixo. Caso a ablação ocorra a restrição de 6 semanas ao esporte deve ocorrer.

Mensagens para levar para casa

  • Mais importante que a presença do CDI é o entendimento da Cardiopatia de base. A liberação para a prática de atividades físicas vai se dar de acordo com a Cardiopatia que motivou a instalação do dispositivo no atleta com CDI. Atletas com quadro resolvido, sem arritmias no esforço, função ventricular preservada, podem ser cogitados ao retorno
  • Especial atenção deve ser dada em esportes com possibilidade de trauma torácico, uma vez que esse trauma pode causar danos ao aparelho do CDI.
  • A decisão de liberar o atleta muitas vezes envolve fatos sobrepujantes à própria Medicina. A opinião do atleta, da família, do time, dos patrocinadores e tudo que envolve o atleta são pertinentes e devem ser levadas em questão. Importante nesses contextos a participação conjunta de Cardiologista clínico, Cardiologista do Esporte , Médico do Esporte, Arritmologista. É interessante o Heart Team também para esses contextos.
  • Deve-se levar em consideração o potencial efeito psicológico de um choque , tanto para um atleta quanto para todo evento esportivo em questão.

(Confira também nossas postagens sobre morte súbita e miorcardiopatia hipertrófica em atletas: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/morte-subita-em-atletas-mais-um-estudo-avaliando-a-etiologia/https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/miocardiopatia-hipetrofica-e-atividade-fisica/)

Referências

  1. Pelliccia A, Sharma S, Gati S, Bäck M, Börjesson M, Caselli S, Collet JP, Corrado D, Drezner JA, Halle M, Hansen D, Heidbuchel H, Myers J, Niebauer J, Papadakis M, Piepoli MF, Prescott E, Roos-Hesselink JW, Graham Stuart A, Taylor RS, Thompson PD, Tiberi M, Vanhees L, Wilhelm M; ESC Scientific Document Group. 2020 ESC Guidelines on sports cardiology and exercise in patients with cardiovascular disease. Eur Heart J. 2021 Jan 1;42(1):17-96. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa605. Erratum in: Eur Heart J. 2021 Feb 1;42(5):548-549. PMID: 32860412.  (https://academic.oup.com/eurheartj/article/42/1/17/5898937?login=false)
  2. Lampert R, Olshansky B, Heidbuchel H, Lawless C, Saarel E, Ackerman M, Calkins H, Estes NAM, Link MS, Maron BJ, Marcus F, Scheinman M, Wilkoff BL, Zipes DP, Berul CI, Cheng A, Jordaens L, Law I, Loomis M, Willems R, Barth C, Broos K, Brandt C, Dziura J, Li F, Simone L, Vandenberghe K, Cannom D. Safety of Sports for Athletes With Implantable Cardioverter-Defibrillators: Long-Term Results of a Prospective Multinational Registry. Circulation. 2017 Jun 6;135(23):2310-2312. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.117.027828. PMID: 28584032.
  3. Heidbuchel H, Willems R, Jordaens L, Olshansky B, Carre F, Lozano IF, Wilhelm M, Müssigbrodt A, Huybrechts W, Morgan J, Anfinsen OG, Prior D, Mont L, Mairesse GH, Boveda S, Duru F, Kautzner J, Viskin S, Geelen P, Cygankiewicz I, Hoffmann E, Vandenberghe K, Cannom D, Lampert R. Intensive recreational athletes in the prospective multinational ICD Sports Safety Registry: Results from the European cohort. Eur J Prev Cardiol. 2019 May;26(7):764-775. doi: 10.1177/2047487319834852. Epub 2019 Feb 27. PMID: 30813818.
  4. James CA, Bhonsale A, Tichnell C, Murray B, Russell SD, Tandri H, Tedford RJ, Judge DP, Calkins H. Exercise increases age-related penetrance and arrhythmic risk in arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy-associated desmosomal mutation carriers. J Am Coll Cardiol. 2013 Oct 1;62(14):1290-1297. doi: 10.1016/j.jacc.2013.06.033. Epub 2013 Jul 17. PMID: 23871885; PMCID: PMC3809992.
  5. Lampert R, Olshansky B, Heidbuchel H, Lawless C, Saarel E, Ackerman M, Calkins H, Estes NA, Link MS, Maron BJ, Marcus F, Scheinman M, Wilkoff BL, Zipes DP, Berul CI, Cheng A, Law I, Loomis M, Barth C, Brandt C, Dziura J, Li F, Cannom D. Safety of sports for athletes with implantable cardioverter-defibrillators: results of a prospective, multinational registry. 2013 May 21;127(20):2021-30. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.112.000447. PMID: 23690453.
  6. Heidbuchel H, Arbelo E, D’Ascenzi F, Borjesson M, Boveda S, Castelletti S, Miljoen H, Mont L, Niebauer J, Papadakis M, Pelliccia A, Saenen J, Sanz de la Garza M, Schwartz PJ, Sharma S, Zeppenfeld K, Corrado D; EAPC/EHRA update of the Recommendations for participation in leisure-time physical activity and competitive sports in patients with arrhythmias and potentially arrhythmogenic conditions. Recommendations for participation in leisure-time physical activity and competitive sports of patients with arrhythmias and potentially arrhythmogenic conditions. Part 2: ventricular arrhythmias, channelopathies, and implantable defibrillators. Europace. 2021 Jan 27;23(1):147-148. doi: 10.1093/europace/euaa106. Erratum in: Europace. 2021 Jul 18;23(7):1113. PMID: 32596731.

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