Insuficiência Cardíaca

Como tratar o paciente com remodelamento reverso?

Escrito por Jefferson Vieira

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O remodelamento ventricular na insuficiência cardíaca (IC) é um processo mal-adaptativo que envolve mudanças estruturais, hemodinâmicas, histopatológicas e genéticas. Pacientes com IC de fração de ejeção reduzida (ICFER) podem apresentar remodelamento reverso do ventrículo esquerdo (RRVE), que é a recuperação da geometria e da função ventricular, seja por resolução da doença de base, bloqueio neuro-hormonal ou ressincronização mecânica. Alguns autores definem RRVE como um aumento ≥ 15% na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) em um período de 12 meses, enquanto outros consideram qualquer recuperação ventricular.

Em torno de 30% dos pacientes com ICFER cursam com RRVE e aproximadamente 40% dos indivíduos diagnosticados com IC de fração de ejeção preservada (ICFEP) parecem ser na verdade portadores de ICFER com RRVE. Esses indivíduos caracterizam um grupo clinicamente distinto e com prognóstico melhor que da IC geral, com mortalidade de 3-5% contra 16% na ICFER e 13% na ICFEP. Comparados com portadores de ICFEP, são mais jovens (65 vs. 72 anos) e tem menos comorbidades como coronariopatia, hipertensão, diabetes ou fibrilação atrial.

A ativação adrenérgica na IC tem um papel importante no remodelamento ventricular patológico e o objetivo da modulação farmacológica do sistema neuro-hormonal é de retardar esse processo. Estudos clássicos já demonstraram “up-regulation” dos β1-receptores com beta-bloqueadores e aumento no “turnover” de colágeno com antagonistas mineralocorticóides. Beta-bloqueadores proporcionam um RRVE mais expressivo que iECA e antagonistas mineralocorticóides. Além disso, devemos sempre buscar a maior dose indicada nos grandes ensaios clínicos (tabela). Sub-doses de beta-bloqueadores e iECA estão associadas com menor RRVE e menor impacto na sobrevida quando comparadas com suas doses-alvo. A terapia de ressincronização cardíaca, quando bem indicada, também está associada ao RRVE e redução da mortalidade na IC.

Alguns preditores clínicos podem justificar o curso aparentemente benigno nos pacientes com RRVE. Preditores associados com RRVE incluem melhor aptidão física e classe funcional, menores cavidades ventriculares (DDVE < 60mm) e pressões de enchimento (razão E/E’ <8, padrões de disfunção diastólica não-restritivos), maiores FEVE e pressões sistólicas e raça não-afrodescendente. Algumas etiologias são potencialmente reversíveis como miocardites, taquicardiomiopatias, cardiomiopatia periparto e cardiomiopatia alcoólica. De fato, etiologias não-isquêmicas estão associadas a um aumento maior que 10% na FEVE após inicio do bloqueio neuro-hormonal. Embora alguns desses preditores não influenciem na tomada de decisão clínica, outros podem ter implicações custo-efetivas na indicação de cardioversores-desfibriladores implantáveis ou no encaminhamento precoce para transplante cardíaco em pacientes com pouca probabilidade de RRVE. Por exemplo, o achado de pequena extensão de fibrose pelo realce tardio com gadolínio e alta razão de edema miocárdico na ressonância magnética cardíaca, associados a valores de BNP inferiores a 300ng/l, são forte preditores de RRVE.

A identificação do RRVE levanta dúvidas sobre a manutenção ou suspensão das terapias de bloqueio neuro-hormonal. Isso porque, por razões éticas, nenhum estudo testou a suspensão da terapia otimizada em pacientes com ICFER que evoluem para RRVE. Assim, até o momento não há evidência que suporte um tratamento diferenciado para esses indivíduos.

RESUMO: O remodelamento reverso do ventrículo esquerdo (RRVE) ocorre em torno de 30 a 40% dos pacientes com IC e está relacionado a menor mortalidade e melhor prognóstico. Os beta-bloqueadores proporcionam um RRVE mais expressivo que outros bloqueadores neuro-hormonais, desde que a dose-alvo seja atingida. Existem vários preditores clínicos de RRVE, mas alguns como extensão da área de fibrose, edema miocárdico e valores de BNP podem auxiliar na tomada precoce de decisões clínicas. O tratamento medicamentoso de pacientes que evoluem com RRVE deve ser o mesmo dos demais pacientes com IC, pois não existem evidências que indiquem a suspensão da terapia farmacológica nesses indivíduos.

  1. Kubanek M, Sramko M, Maluskova J, et al. Novel predictors of left ventricular reverse remodeling in individuals with recent-onset dilated cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol 2013;61:54-63.
  2. Kalogeropoulos AP, Fonarow GC, Georgiopoulou V, et al. Characteristics and Outcomes of Adult Outpatients With Heart Failure and Improved or drogas ICFERRecovered Ejection Fraction. JAMA Cardiol 2016;1:510-8.

 

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Sobre o autor

Jefferson Vieira

Residência em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia/RS
Especialista em Cardiologia pela SBC
Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco pelo InCor/FMUSP
Doutor em Cardiologia pela FMUSP
Médico-assistente do programa de Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco do Hospital do Coração de Messejana

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