Miocardiopatias Miscelânia

Miocardite aguda: é mais arriscado tomar a vacina ou ter a infecção por COVID-19?

Esta publicação também está disponível em: Português

A pandemia da COVID-19 (Coronavirus Disease 2019) gerou muitas dúvidas e inseguranças, em virtude de ser uma doença nova e inesperada.  Os questionamentos mais recentes têm sido sobre os efeitos da vacinação contra a doença e uma das polêmicas emergentes é o risco de desenvolvimento de miocardite aguda, especialmente envolvendo as vacinas do tipo mRNA1,2,3 , com estudos publicados em renomados jornais. Explorando mais esse assunto, temos um estudo epidemiológico do tipo série de casos autocontrolada realizado na Inglaterra, publicado recentemente na  revista Circulation4 , que cruzou as informações de várias bases de dados do sistema de saúde do país para tentar estabelecer a possível associação entre miocardite e vacina para COVID-19.

Esse estudo incluiu todos pacientes com 13 anos ou mais, entre 01 de dezembro de 2020 e 15 de dezembro de 2021, que receberam pelo menos uma dose das vacinas ChAdOx1 (AstraZeneca®), BNT162b2 (Pfizer®) ou mRNA-1273 (Moderna®), totalizando mais de 42 milhões de pessoas e foi avaliado o desfecho de internação ou morte por miocardite de 1 a 28 dias após cada dose. Assim como no Brasil, a população não recebeu vacinas apenas de um laboratório, mas sim os esquemas resultaram em combinações delas. Cerca de 21 milhões dos indivíduos chegaram a receber a dose de reforço (no Brasil, popularmente chamada de “3ª dose”). Dentre os incluídos, 5.593.193 contraíram COVID-19 antes ou após a vacinação (2.958.026 e 2.635.197, respectivamente) e o mesmo desfecho foi avaliado em ambas situações. Os resultados também foram computados conforme faixa etária, gênero, etnia. A miocardite foi estabelecida como relacionado à vacinação ou à infecção por COVID-19 se ela ocorresse de 1 até 28 dias após esses eventos. Vamos ver os resultados?

Das 42.842.345 pessoas vacinadas, apenas 0,007% foram hospitalizadas ou morreram por miocardite aguda, num total absoluto de 2516 e 345, respectivamente. Dentre todas as situações e combinações vacinais avaliadas, aquelas em que o risco de miocardite aumentou de maneira estatisticamente significativa foram: Após primeira dose da ChAdOx1 (1.33) e após a primeira dose, segunda dose ou o reforço da BNT162b2 (1.52, 1.57, 1.72, respectivamente).  Apesar disso, todas essas situações expuseram o paciente a um risco muito menor que àquele quando ocorre a própria infecção por SARS-CoV-2: o risco foi de 11,14 entre os não-vacinados e de 5,97 entre os vacinados – ou seja, a vacinação reduziu o risco de miocardite mesmo depois de contrair a COVID-19.

Mas nem tudo são flores… houve uma situação específica em que a vacinação superou o risco da infecção, que ocorreu após a segunda dose da mRNA-1273 (11.76), mas mesmo assim ele se reduziu após a dose de reforço da mesma vacina (2.64).  Olhando com mais detalhes essa situação específica, o maior risco se concentrou, na verdade, no subgrupo da segunda dose de homens com menos de 40 anos de idade, cujo risco foi de 16,83, bem maior que após a primeira dose (3,06), mas não tiveram casos após o reforço. Em mulheres na mesma faixa etária também houve incremento do risco, mas em menor intensidade (4,75), que foi semelhante àquelas pós-infecção por SARS-CoV-2. O autor pondera que o número de expostos a essa vacina específica foi pequeno, o que poderia diminuir a precisão das estimativas e que a média de idade dos que receberam mRNA-1273 também foi menor que nas demais, favorecendo casos na faixa etária em questão. Contudo, seus resultados vão ao encontro de outros dois estudos3,5 , que também relataram aumento dos casos após mRNA-1273 e BNT162b2 em homens mais jovens.

A autor discute seus resultados sobre a associação entre miocardite aguda e vacina para COVID-19 dentro de um contexto. Por exemplo, o risco de miocardite é substancialmente maior entre os não vacinados do que aquele relacionado à vacinação com pelo menos uma dose. Ainda assim, mesmo quando os vacinados contraem o vírus, seu risco de miocardite ainda é reduzido. Além disso, mesmo no cenário dos que receberam a segunda dose da mRNA-1273, o risco foi “apenas” semelhante (11,76 vs 11,14) – com a exceção especificamente do subgrupo dos homens com menos de 40 anos, como citado anteriormente, que o superou. O artigo ainda coloca em questão que vacinação é uma medida em escala populacional, logo há predomínio de benefícios sob ótica de saúde pública e econômica e que, embora seja um desfecho importante, a decisão quanto à vacinação não se deve restringir a essa ótica. Dentre as limitações, descreve que o estudo teve baixo número de pessoas com dose reforço de ChAdOx1 e mRNA-1273 e de indivíduos na faixa de 13-17 anos, o que limita as conclusões a respeito dessas situações. Além disso, descreve que seus dados são oriundos de códigos hospitalares, o que pode sub ou superestimar os casos.

 

Comentário Cardiopapers: Este é mais um estudo que aponta para uma associação entre miocardite e vacina para COVID-19 ser, em geral, menor que a exposição ao vírus SARS-CoV-2. Todavia, embora seja um estudo com mais de 42 milhões de indivíduos, publicado em uma revista de conceito indiscutível, não podemos esquecer da “pirâmide da evidência” (mais detalhes em: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/piramide-da-evidencia/ ) e ver que são dados de um estudo com um desenho observacional, logo não podemos chegar à conclusão definitiva da relação de causa-efeito. Além disso, está baseado em uma população específica (Inglaterra), que pode ter um viés de fatores de risco regionais/genéticos não replicáveis na população brasileira, por exemplo.

(Mais detalhes, cheque este nosso post: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/miocardite-apos-vacina-contra-covid-19-mito-ou-realidade/)

  1. Witberg G, Barda N, Hoss S, Richter I, Wiessman M, Aviv Y, et al. Myocarditis after Covid-19 Vaccination in a Large Health Care Organization. N Engl J Med. 2021;385(23):2132-9.
  2. Mevorach D, Anis E, Cedar N, Bromberg M, Haas EJ, Nadir E, et al. Myocarditis after BNT162b2 mRNA Vaccine against Covid-19 in Israel. N Engl J Med. 2021;385(23):2140-9.
  3. Husby A, Hansen JV, Fosbøl E, Thiesson EM, Madsen M, Thomsen RW, et al. SARS-CoV-2 vaccination and myocarditis or myopericarditis: population based cohort study. BMJ. 2021;375:e068665.
  4. Patone M, Mei XW, Handunnetthi L, Dixon S, Zaccardi F, Shankar-Hari M, et al. Risk of Myocarditis After Sequential Doses of COVID-19 Vaccine and SARS-CoV-2 Infection by Age and Sex. Circulation. 2022; 146(10):743-754. https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.059970?rfr_dat=cr_pub++0pubmed&url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org
  5. Oster ME, Shay DK, Su JR, Gee J, Creech CB, Broder KR, et al. Myocarditis Cases Reported After mRNA-Based COVID-19 Vaccination in the US From December 2020 to August 2021. JAMA. 2022;327(4):331-40.

Banner Atheneu

Banner Atheneu

Banner ECG

Deixe um comentário

Sobre o autor

Gustavo Bregagnollo

Deixe um comentário

Seja parceiro do Cardiopapers. Conheça os pacotes de anúncios e divulgações em nosso MídiaKit.

Anunciar no site