Coronariopatia

Ticagrelor mais aspirina após revascularização do miocárdio

Escrito por Remo Holanda

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Pacientes submetidos a uma cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) necessitam de antiagregação plaquetária a longo prazo. O primeiro motivo é o de que, apesar de a CRVM reduzir a ocorrência de infarto e possivelmente de mortalidade em alguns grupos selecionados, ela não promove a cura da doença arterial coronária (DAC), já que a aterosclerose é sistêmica. Além disso, a antiagregação plaquetária é fundamental a fim de se manter a perviedade dos enxertos de ponte de safena. Usualmente, esta antiagregação é feita com aspirina. Mas será que a dupla antiagregação plaquetária com ticagrelor mais aspirina levaria a melhores resultados após a revascularização do miocárdio?

Esta questão foi analisada por um estudo conduzido por Sandner e cols, publicado no periódico Journal of the American Medical Association1. Este estudo consistiu em uma meta-análise de dados individuais de ensaios clínicos randomizados comparando o uso de aspirina versus ticagrelor mais aspirina em pacientes submetidos a revascularização do miocárdio com enxertos de veia safena. Ao total, foram incluídos 4 estudos envolvendo 1316 pacientes. O desfecho primário de eficácia da meta-análise foi a incidência de falência do enxerto em 12 meses, enquanto o desfecho primário de segurança foi a ocorrência de sangramento significativo pelo critério da BARC (Bleeding Academic Research Consortium). O uso da dupla antiagregação plaquetária com ticagrelor mais aspirina se associou a uma redução da falência do enxerto de safena após após a revascularização do miocárdio  em comparação à monoterapia com aspirina (odds ratio [OR] 0,51; IC 95% 0,35 – 0,74; P < 0,001). Além disso, as taxas de sangramento foram maiores com a dupla antiagregação (OR 2,98; IC 95% 1,99 – 4,47; P < 0,001). Não houve diferença entre os grupos em relação à ocorrência de eventos cardiovasculares maiores, ou seja, o composto de morte, infarto, AVC ou necessidade de nova revascularização (hazard ratio 1,21; IC 95% 0,70 – 2,08; P = 0,50). Os resultados da meta-análise foram consistentes independente do sexo, idade, presença de diabetes, cirurgia com ou sem circulação extracorpórea e coronariopatia aguda versus crônica.

O que estes resultados sugerem e como eles devem impactar na nossa prática clínica? Antes de tudo, vamos observar algumas questões metodológicas neste estudo. O estudo consistiu em uma meta-análise, ou seja, uma reunião de vários estudos em um resultado só. No caso do presente estudo, não somente os investigadores tinham acesso aos dados publicados de cada ensaio clínico, como também tinham dados de pacientes individuais, o que torna a meta-análise muito mais completa e informativa. Uma limitação da presente meta-análise foi o fato de haver algum grau de heterogeneidade entre os estudos, já que alguns acompanharam os pacientes por 3 meses enquanto outros por 12 meses; e alguns utilizaram coronariografia para diagnosticar oclusão de pontes de safena enquanto outros utilizaram angiotomografia de coronárias. Quando existe muito diferença (heterogeneidade) entre os estudos, a interpretabilidade do resultado combinado (meta-análise) é limitada. Também temos de tomar cuidado com conclusões acerca do sangramento. Quando o estudo analisou sangramento grave (BARC 3 a 5), não houve aumento de sangramento com a dupla antiagregação plaquetária. (Para exemplificar: um sangramento gengival ao escovar os dentes que motivou o paciente a ligar para o médico e pular uma dose do medicamento sem outras maiores consequências já é considerado BARC 2!). Ainda assim, os resultados desse estudo são importantes. (Quer saber passo a passo como ler uma meta-análise? Confira nosso curso de Medicina Baseada em Evidência: https://lp2.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo-vitrine/)

E qual é a implicação clínica? Devo usar rotineiramente ticagrelor mais aspirina em todos os meus pacientes após a revascularização do miocárdio? A resposta é: depende do cenário. Vejamos:

  • Pacientes com coronariopatia aguda. Nesta população, já está bem estabelecido que a dupla antiagregação plaquetária deve ser mantida por pelo menos um ano, independente da estratégia de revascularização (cirurgia, angioplastia ou tratamento clínico). Além disso, dados do estudo PLATO mostram que o ticagrelor foi superior ao clopidogrel mesmo entre aqueles submetidos à cirurgia. Portanto, podemos sim dizer que na coronariopatia aguda devemos manter a dupla antiagregação com o intuito de não somente manter a patência de pontes de safena como também de prevenir eventos em outros leitos vasculares.
  • Pacientes com coronariopatia crônica. Este grupo é um pouco mais delicado. De uma maneira geral, as evidências não são convincentes o suficiente para indicar ticagrelor mais aspirina após a revascularização do miocárdio. Mas é preciso se individualizar e, em casos selecionados em que a cirurgia seja muito complexa (exemplo: múltiplos enxertos venosos; enxerto venoso para tratar o território da artéria descendente anterior), pode-se considerar o uso de ticagrelor mais aspirina desde que o risco de sangramento seja aceitável (ou seja, nada de neoplasia, IRC, idade avançada, anemia, sangramento importante prévio, etc).

 

REFERÊNCIA

1- Sandner S, Redfors B, Angiolillo DJ, Audisio K, Fremes SE, Janssen PWA, Kulik A, Mehran R, Peper J, Ruel M, Saw J, Soletti GJ, Starovoytov A, Ten Berg JM, Willemsen LM, Zhao Q, Zhu Y, Gaudino M. Association of Dual Antiplatelet Therapy With Ticagrelor With Vein Graft Failure After Coronary Artery Bypass Graft Surgery: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA. 2022 ;328(6):554-562.  (https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2795029)

 

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