Coronariopatia Miscelânia

Colchicina: tudo o que você precisa saber na doença aterosclerótica

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

Recentemente, o FDA aprovou uma extensão da bula da colchicina, agora também indicada para prevenir eventos cardiovasculares na doença aterosclerótica.

Hoje, vamos contextualizar um pouco mais a colchicina neste cenário, relembrando as características desta medicação, as evidências clínicas, e como prescrever.

Qual o racional para a colchicina na doença cardiovascular?

A inflamação desempenha um papel central na patogênese da aterosclerose. Por isso, agentes antinflamatórios que possam melhorar tanto a progressão da aterosclerose quanto os resultados cardiovasculares são extensivamente estudados.

A colchicina é um alcaloide botânico derivado da flor Colchicum autumnale, descrita pela primeira vez como uma planta medicinal no papiro Ebers do antigo Egito em 1550 aC, onde foi usada para o tratamento da dor e inchaço.

Atualmente, a colchicina é amplamente utilizada para o tratamento de surtos agudos de gota e febre mediterrânea familiar (FMF). Também tem sido usado em outras condições inflamatórias, como na pericardite. Dada a facilidade de acesso, baixo custo e perfil de segurança favorável, a colchicina surgiu como um potencial tratamento oral visando o componente inflamatório da aterosclerose.

Quais as propriedades farmacológicas da colchicina?

A colchicina é rapidamente absorvida pelo jejuno e íleo com uma biodisponibilidade que oscila entre 24 a 88%.

O pico de concentração plasmática máximas ocorre dentro de 0,5 a 2 horas após a administração oral.

Na circulação, aproximadamente 40% está conjugado com proteínas plasmáticas, o que contribui para sua ampla distribuição para os leucócitos periféricos.

A maior parte da droga sofre recirculação êntero-hepática, levando a um segundo pico no plasma dentro de 6 horas após a ingestão, e é eliminada pelas fezes e bile.

A meia-vida média é de 20 h, que pode ser prolongada na insuficiência renal e cirrose hepática.

A colchicina interage com o citocromo P450 3A4 (CYP3A4) e a glicoproteína P. Reações adversas foram relatadas por pacientes que utilizam inibidores da CYP3A4 ou inibidores da glicoproteína P, resultando em alteração do metabolismo da colchicina e toxicidade. O ajuste da dose é recomendado nestas situações.

Quais as principais evidências do uso de colchicina neste cenário?

Alguns ensaios clínicos randomizados testaram a colchicina em cenários de doença arterial coronária e aterosclerose.

O estudo COLCOT, focado em Síndrome Coronariana Aguda (SCA), envolveu a randomização de 4.745 pacientes após infarto agudo do miocárdio, e mostrou que a colchicina reduziu significativamente o risco de eventos cardiovasculares adversos em 23%, impulsionado principalmente por uma diminuição na incidência de AVC e hospitalização por angina instável. No estudo australiano COPS, houve uma redução significativa de 40% em uma combinação de eventos adversos após 24 meses de tratamento com colchicina.

Outro estudo importante foi o LoDoCo, que focou na síndrome coronária crônica (SCC). Ele envolveu 532 pacientes e constatou que a colchicina reduziu o risco do desfecho primário em 67%. O estudo subsequente, LoDoCo 2, que envolveu um número dez vezes maior de pacientes e um desenho de estudo mais robusto, confirmou esses resultados mostrando uma redução de 31% no desfecho primário.

Embora tenha havido variação entre os estudos individuais, metanálises também mostraram que a colchicina reduziu o risco de infarto do miocárdio, AVC ou morte cardiovascular entre 20 e 30%.

A aplicabilidade dos resultados pode variar de acordo com subconjuntos de pacientes. Por exemplo, os benefícios da colchicina podem ser ainda maiores em pacientes com diabetes mellitus. No entanto, como a maioria dos estudos excluiu pacientes com insuficiência cardíaca e doença renal crônica, os efeitos da colchicina nessas populações ainda são desconhecidos.

Apesar dos efeitos benéficos, existem preocupações sobre a mortalidade NÃO-cardiovascular associada ao uso de colchicina. O estudo COPS indicou uma taxa maior de morte por todas as causas no grupo da colchicina, devido a um aumento nas mortes não cardiovasculares, sobretudo infecções e sepse. As metanálises mostraram uma incidência menor não significativa de mortalidade cardiovascular, contrabalançada por uma incidência não significativa maior de mortes não cardiovasculares.

Veja um resumo dos principais estudo abaixo

E como prescrever?

Como pode ver no sumário dos estudos abaixo, a dose utilizada nos estudos foi de 0,5mg 1x/dia (SCC) ou 0,5mg duas vezes ao dia (SCA).

Para quem?

No que diz respeito à prescrição, a colchicina pode ser considerada em diversos contextos de pacientes com coronariopatia. Se, após a otimização do tratamento clínico, onde os fatores de risco tradicionais foram especificamente abordados, e o paciente ainda assim apresentar elevado risco inflamatório residual, a colchicina pode ser considerada.

Para saber mais:

 

Referências

Tardif J.C., Kouz S., Waters D.D., Bertrand O.F., Diaz R., Maggioni A.P., Pinto F.J., Ibrahim R., Gamra H., Kiwan G.S., et al. Efficacy and Safety of Low-Dose Colchicine after Myocardial Infarction. N. Engl. J. Med. 2019;381:2497–2505. doi: 10.1056/NEJMoa1912388.

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Tong D.C., Bloom J.E., Quinn S., Nasis A., Hiew C., Roberts-Thomson P., Adams H., Sriamareswaran R., Htun N.M., Wilson W., et al. Colchicine in Patients with Acute Coronary Syndrome: Two-Year Follow-Up of the Australian COPS Randomized Clinical Trial. Circulation. 2021;144:1584–1586. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.121.054610. 

Nidorf S.M., Eikelboom J.W., Budgeon C.A., Thompson P.L. Low-dose colchicine for secondary prevention of cardiovascular disease. J. Am. Coll. Cardiol. 2013;61:404–410. doi: 10.1016/j.jacc.2012.10.027.

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Opstal TSJ, Fiolet ATL, van Broekhoven A, et al. Colchicine in Patients With Chronic Coronary Disease in Relation to Prior Acute Coronary Syndrome. J Am Coll Cardiol. 2021; 78(9):859-866.

 

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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