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Estenose aórtica importante + câncer: e agora? O que fazer?

Escrito por Cristiano Guedes

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É um desafio para a equipe multidisciplinar abordar pacientes com estenose aórtica (EA) grave sintomática e diagnóstico de câncer. Muitas vezes, é contraindicada a troca valvar aórtica cirúrgica, sendo, mais recentemente, a terapia menos invasiva transcateter uma alternativa a ser considerada para esses pacientes.

Segundo recomendações de guidelines, a TAVI (implante de bioprótese aórtica transcateter, da sigla em inglês: transcatheter aortic valve implantation) é recomendada para pacientes com expectativa de vida maior que 1 ano, sendo importante o envolvimento do oncologista para definição do estágio da neoplasia e a expectativa de vida estimada, mesmo considerando que por vezes é difícil prever a resposta do paciente individual à cirurgia oncológica ou à quimioterapia. Outro aspecto interessante, os escores de risco cirúrgico clássicos, como o STS, podem não classificar adequadamente esses pacientes, devendo a equipe clínica lançar mão de escores de fragilidade e avaliação global do paciente para decidir em relação a abordagem terapêutica valvar.

Pacientes com câncer ativo e EA grave que são tratados com TAVI têm resultados a curto prazo (30 dias) semelhantes aos pacientes sem cancer. Porém, o prognóstico a longo prazo é pior em pacientes com câncer, sobretudo em pacientes com estágios mais avançados da neoplasia. São as conclusões de estudo publicado esse mês no JACC: Cardiovascular Interventions. Os autores analisaram dados de registro multicêntrico internacional em pacientes submetidos a TAVI, sendo 222 pacientes com câncer ativo comparados a 2522 pacientes controle sem cancer.

Os pacientes com câncer tinham uma idade de 78.8 ± 7.5 anos e STS score 4,9 ± 3,4%. O grupo câncer teve menor escore STS que o grupo controle sem câncer (4,9 ± 3,4 vs 6,2 ± 4,4, p<0,001). Os tumores mais frequentes foram: gastrointestinal (22%), próstata (16%), mama (15%), hematológico (15%) e pulmão (11%). No momento da TAVI, 40% dos pacientes estavam em estágio avançado (estágio 4). As complicações periprocedimentos (eventos cerebrovasculares, eventos hemorrágicos, complicações vasculares, necessidade de marcapasso ou insuficiência renal) foram comparáveis entre os grupos, assim como a mortalidade intra-hospitalar e em 30 dias. Houve apenas uma maior taxa de sangramento entre pacientes com câncer. Porém, a mortalidade em 1 ano foi maior nos pacientes com câncer (14,8% vs. 9,4%; p < 0,001); sendo que 75% das mortes no grupo câncer foram de natureza não cardiovascular, com metade atribuída à neoplasia. Nos pacientes que sobreviveram após 1 ano da TAVI (85% do total), um terço estavam em remissão ou curados do câncer. Neoplasia avançada (estágios III a IV) foram fortes preditores de mortalidade (HR: 2,4; IC95%: 1,7 a 3,2; p < 0,001), ao passo que neoplasias em estágios iniciais (I e II) não estiveram associadas a maior mortalidade comparados a pacientes sem câncer(HR 1,3; IC95%: 0,9-1,7). Em termos de função valvar e melhora sintomática, os benefícios foram significativos e semelhantes em ambos os grupos. Aproximadamente metade de todos os pacientes com câncer tratados com TAVI estavam em classe funcional I da NYHA em 30 dias, e o benefício persistiu em 1 ano.

O fato é que com o envelhecimento populacional, essas doenças com comportamento maligno (estenose aórtica e câncer) são cada vez mais frequentes e diagnosticadas em estágios inciais. Com a expansão da TAVI como modalidade terapêutica, o diagnóstico oncológico em pacientes com estenose aórtica grave pode ocorrer durante o planejamento da TAVI através do exame de tomografia computadorizada fundamental para o procedimento valvar transcateter (importante notar que em 12% do grupo câncer desse estudo, a neoplasia foi diagnosticada durante a tomografia computadorizada – protocolo pré-TAVI). Um aspecto importante a ser pontuado é que a estenose aórtica grave sintomática não tratada, além de implicar em prognóstico ruim por si só, pode influenciar na terapia oncológica ideal, seja por não ser realizada a cirurgia oncológica de grande porte ou por não usar drogas quimioterápicas indicadas por receio de deterioração de função cardíaca. De fato, medicações cardiovasculares recomendadas no manejo da cardiotoxicidade, como vasodilatadores e betabloqueadores, são dificilmente otimizadas em pacientes com estenose aórtica grave sintomática, cujo manejo de drogas é difícil.

Após esses dados, caímos novamente na individualização e na decisão multidisciplinar (cardiologia, hemodinâmica, cirurgia cardíaca, oncologia, cirurgião oncológico, etc…) em relação a conduta mais adequada para o tratamento do paciente oncológico com estenose aórtica, devendo levar em consideração que:

  • Pacientes em estágios iniciais da doença oncológica se beneficiam da TAVI tanto quanto pacientes sem câncer.
  • Pacientes em estágio avançado tem desempenho à curto prazo semelhante aos pacientes sem câncer, porém maior mortalidade a longo prazo principalmente por fatores não cardíacos relacionados ao tumor.
  • Portanto, não devemos excluir pacientes oncológicos dessa modalidade terapêutica da estenose aórtica antes de uma avaliação individualizada e tomada de decisão compartilhada.

Por fim, vale pontuar que:

  • Apesar de agregar informações nesse cenário, esses dados de registro são limitados, devendo ser considerados como geradores de hipóteses.
  • Infelizmente, a qualidade de vida avaliada por escores dedicados não foram analisados pelo estudo, aspectos extremamente relevantes nessa população.
  • Estudos randomizados sobre esse tema dificilmente serão realizados por diversas questões, inclusive éticas.

Referências bibliográficas:

Landes U, Iakobishvili Z, Vronsky D, et al. Transcatheter aortic valve replacement in oncology patients with severe aortic stenosis. J Am Coll Cardiol Intv. 2019;12:78-86.

Schofer N. Transcatheter aortic valve replacement in oncology patients. Does it make sense? J Am Coll Cardiol Intv. 2019;12:87-89.

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Sobre o autor

Cristiano Guedes

Dr Cristiano Guedes

• Doutorado em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
• Residência médica em Cardiologia pelo Instituto do Coração da FMUSP (InCor-FMUSP)
• Especialista em Hemodinâmica e Cardiologia intervencionista pelo InCor-FMUSP.
• Sócio Titular da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista
• Cardiologista intervencionista dos Hospitais CárdioPulmonar e São Rafael – Salvador.
• Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9663860620578411

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