Terapia Intensiva Cardiológica

Afinal, ECMO reduz mortalidade ou não no choque cardiogênico?

Escrito por Remo Holanda

Esta publicação também está disponível em: Português

O choque cardiogênico é uma situação crítica e de elevada mortalidade. Além de reperfusão prococe e suporte inotrópico, ventilatório e vasopressor, poucas terapias tem tido impacto no tratamento dessa condição.  Mas será que a ECMO (extracorporeal membrante oxigenator), um tipo avançado de suporte circulatório mecânico, poderia reduzir a mortalidade e outras complicações cardiovasculares no choque cardiogênico? (Veja este nosso outro texto bem interessante sobre ECMO no choque cardiogênico: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/ecmo-sera-que-existe-beneficio-em-sua-utilizacao/).  Isso foi testado no estudo ECMO-CS (ECMO-CS: ECMO in the treatment of  Cardiogenic Shock) apresentado no congresso da American Heart Association 2022 e publicado no periódico Circulation.2

O estudo incluiu  122 pacientes com choque cardiogênico (metade causados por IAM com supra de ST)  grave ou em rápida deterioração, que foram randomizados para ECMO versus tratamento usual.  Pacientes com tamponamento cardíaco, bradiarritmias, taquiarritmias ou embolia pulmonar como causa do choque foram excluídos, assim como aqueles com insuficiência aórtica de moderada a importante, disseção aguda de aorta, ou sangramento maior dentro dos 6 meses anteriores. O desfecho primário foi o composto de morte, parada cardíaca ou necessidade de novo suporte circulatório mecânico em 30 dias.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos ECMO versus tratamento conservador no desfecho composto de morte, parada cardíaca ou necessidade de novo suporte circulatório mecânico em 30 dias (incidência cumulativa em 30 dias 63,8 % versus 71,2%, respectivamente; hazard ratio [HR] 0,72, intervalo de confiança [IC] 95% 0,46-1,12; P = 0,21). Também não houve diferença estatisticamente significativa nos desfechos secundários de morte em 30 dias (HR 1,11; IC 95% 0,66-1,87), nem de performance neurológica em 30 dias. Um total de 42,4% de pacientes no grupo conservador precisou de um novo suporte circulatório em 30 dias.  Apesar de a ECMO ser segura, pareceu haver um aumento de isquemia de membros inferiores.

E agora, como aplicar os resultados deste estudo na prática clínica? Antes de mais nada, o estudo apresenta três limitações metodológicas muito importantes. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo aberto, ou seja, tanto o paciente quanto o médico que cuidava poderiam saber  para que grupo o paciente tinha sido randomizado. Quando isso ocorre, quem avalia o desfecho deveria ser cego ao grupo alocado, porém isto não ocorreu. Isso pode causar o que chamamos de viés de aferição e comprometer de maneira substancial a qualidade do estudo. Em segundo lugar, a inclusão de necessidade de novo suporte circulatório mecânico como componente do desfecho primário cria uma maneira artificial de favorecer ao grupo ECMO, pois obviamente os pacientes randomizados para este grupo já terão menor probabilidade de receber um novo suporte circulatório subsequente, independente da real eficácia da própria ECMO. Em terceiro lugar, o estudo fez um cálculo amostral levando em conta a hipótese de redução de 50% no desfecho a favor da ECMO, de tal maneira que provavelmente este estudo não tenha tido poder adequado para responder à pergunta, já que uma redução de 50% seria muito otimista como palpite para a magnitude de efeito. (Quer entender melhor como fazer a análise crítica de um estudo? Não perca o nosso curso de Medicina Baseada em Evidência:  https://lp2.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo-vitrine/)

Dito isso, apesar de sérias limitações, este estudo é o primeiro de muitos que ainda devem esclarecer qual é a real utilidade da ECMO no choque cardiogênico. Por enquanto, a conclusão é: o uso de ECMO não está indicado de rotina em todos os pacientes com choque cardiogênico, embora deva ainda ser fortemente considerada naqueles que não respondam ao tratamento inicial.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Ostadal P, Rokyta R, Karasek J, Kruger A, Vondrakova D, Janotka M, Naar J, Smalcova J, Hubatova M, Hromadka M, Volovar S, Seyfrydova M, Jarkovsky J, Svoboda M, Linhart A, Belohlavek J; ECMO-CS Investigators. Extracorporeal Membrane Oxygenation in the Therapy of Cardiogenic Shock: Results of the ECMO-CS Randomized Clinical Trial. Circulation. 2022 Nov 6. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.122.062949. Epub ahead of print. (https://www.ahajournals.org/doi/abs/10.1161/CIRCULATIONAHA.122.062949?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)

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