Miscelânia

Cirurgia versus angioplastia na doença vascular periférica, qual é o melhor?

Escrito por Remo Holanda

Esta publicação também está disponível em: Português

Em pacientes com doença vascular periférica e isquemia crítica de membros inferiores, duas técnicas de revascularização podem ser utilizadas. A técnica cirúrgica convencional, com uso de enxertos para bypass das lesões, versus a técnica endovascular, com a realização de procedimentos percutâneos envolvendo angioplastia com balão ou stent, dentre outros. Por um lado, técnicas endovasculares poderiam resultar em resultados equivalentes a longo prazo mas permitindo recuperação mais rápida do paciente e menor risco de complicações cardiovasculares. Por outro lado, a técnica cirúrgica poderia fornecer uma revascularização com resultados mais duradouros, com menor necessidade de reintervenções ou mesmo de amputação (Vejam que algo análogo existe na doença coronária crônica!). Mas, ao se comparar cirurgia versus angioplastia na doença vascular periférica, existe evidência que oriente o melhor tratamento?

Esta resposta foi buscada no estudo BEST-CLI (Best Surgical Therapy in Patients with Critical Limb Ischemia), apresentado no último congresso da American Heart Association 2022 e publicado no periódico New England Journal of Medicine1. O estudo randomizou 1830 pacientes com isquemia crítica e necessidade de revascularização para tratamento cirúrgico ou percutâneo. Os pacientes foram estratificados em duas coortes, a coorte 1 (1434 pacientes), quando havia enxerto de safena disponível e viável para uso, e a coorte 2 (396 pacientes), em que não havia a possibilidade de uso do enxerto de safena. O desfecho primário foi o composto de eventos vasculares maiores (MALE, major adverse limb events) ou morte. Na coorte 1, o tratamento cirúrgico resultou em melhores resultados versus o endovascular (42,6% versus 57,4% de pacientes com evento, respectivamente; hazard ratio [HR] 0,68; intervalo de confiança [IC] 95% 0,59-0,79; P < 0,001), enquanto na coorte 2 os resultados foram semelhantes (42,8% versus 47,7% de pacientes com eventos; HR 0,79; IC 95% 0,58-1,06; P = 0,12). Na coorte 1, houve menor ocorrência de amputação de membros inferiores favorecendo o tratamento cirúrgico (HR 0,73; IC 95% 0,54-0,98). A mortalidade por todas as causas, a taxa de eventos cardiovasculares (morte, infarto ou AVC), assim como de eventos adversos e de mortalidade perioperatória, foram semelhantes entre os grupos.

E então, qual é a implicação desse estudo? Antes de mais nada, é importante frisar que o estudo apresenta duas questões metodológicas capitais. A primeira foi o fato de o estudo ter sido interrompido antes do tempo (com 1830 da amostra inicialmente planejada de 2100 pacientes) por conta de falta de financiamento. As regras para interrupção precoce de um estudo devem preferencialmente se basear em questões de eficácia indiscutível, futilidade ou segurança. Além disso, estudos interrompidos precocemente tendem a exagerar a magnitude de benefício de uma intervenção. A segunda questão foi o fato de 158 (8,6% dos pacientes incluídos) pacientes terem tido perda de seguimento e 17 foram excluídos após a randomização. Ainda que esse número não pareça ser muito grande, a perda de seguimento em um estudo randomizado pode comprometer de maneira substancial a interpretabilidade dos resultados, sobretudo quando a diferença entre o número de eventos entre os grupos (106) seja inferior ao número de perdas (158). Ou seja, se não sabemos o que ocorre com os pacientes, estamos assumindo (de maneira muito perigosa!) que esse “sumiço” não influencia o resultado. Porém  é impossível “adivinhar” o que ocorreu com esses pacientes que foram perdidos. (Quer saber mais sobre isso? Não tem segurança em encontrar essas ciladas ao ler um artigo? Então confira o nosso Curso de Medicina Baseada em Evidência: https://lp2.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo-vitrine/  )

Dito isso, apesar de tais limitações metodológicas, este é um estudo muito importante e que possivelmente deve influenciar a prática clínica. Trata-se do maior estudo randomizado já feito comparando cirurgia versus angioplastia na doença vascular periférica com isquemia crítica. A partir de seus resultados, podemos definir que, em pacientes com isquemia crítica de  membros e enxerto de veia safena disponível, a revascularização cirúrgica deve ser a melhor opção. Logicamente, essa escolha vai depender também do expertise local, do risco do procedimento e da decisão compartilhada com o paciente. (Quer saber mais sobre cirurgia vascular? Então confira esta nossa postagem: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/5-dicas-cirurgia-vascular/)

 

REFERÊNCIAS

1- Farber A, Menard MT, Conte MS, Kaufman JA, Powell RJ, Choudhry NK, Hamza TH, Assmann SF, Creager MA, Cziraky MJ, Dake MD, Jaff MR, Reid D, Siami FS, Sopko G, White CJ, van Over M, Strong MB, Villarreal MF, McKean M, Azene E, Azarbal A, Barleben A, Chew DK, Clavijo LC, Douville Y, Findeiss L, Garg N, Gasper W, Giles KA, Goodney PP, Hawkins BM, Herman CR, Kalish JA, Koopmann MC, Laskowski IA, Mena-Hurtado C, Motaganahalli R, Rowe VL, Schanzer A, Schneider PA, Siracuse JJ, Venermo M, Rosenfield K; BEST-CLI Investigators. Surgery or Endovascular Therapy for Chronic Limb-Threatening Ischemia. N Engl J Med. 2022 Nov 7. doi: 10.1056/NEJMoa2207899. Epub ahead of print. (https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2207899?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)

 

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