Hemodinâmica

Já ouviu falar em Ventrículo Suicida?

Escrito por Lucas Aguiar

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O número de implantes de válvula aórtica transcateter (TAVI) no mundo aumenta cada vez mais, na medida de que novos estudos trazem mais evidências do seu benefício e segurança. Naturalmente, conhece-se mais sobre o procedimento, e consequentemente sobre as possíveis potenciais complicações que podem acontecer.

Uma complicação rara é chama-se fenômeno do ventrículo suicida.

Para entendermos sobre esse fenômeno devemos primeiro lembrar um pouco sobre a fisiopatologia da estenose aórtica. A estenose da valva aórtica gera um aumento crônico de pressão no ventrículo esquerdo (VE) através do aumento de pós carga. Para adaptar-se e manter o mesmo débito cardíaco, o ventrículo normalmente sofre remodelamento caracterizado por hipertrofia dos miócitos e aumento da espessura da parede, gerando portanto hipertrofia do VE. É esperado, inclusive, que após o tratamento da estenose aórtica, aconteça regressão da hipertrofia do VE, sendo uma maior regressão do índice de massa do VE em 1 ano independentemente associada a menores taxas de mortalidade e reinternação em até 5 anos.

O grau de hipertrofia que surge pode chegar ao ponto de gerar um gradiente intraventricular, que muitas vezes fica mascarado pela obstrução já existente causada pela estenose aórtica importante. Ou, também até mascarar uma miocardiopatia hipertrófica que porventura o paciente poderia ter em concomitância com a estenose.

O que acontece é que após a TAVI bem sucedida, ocorre um alívio quase instantâneo do gradiente transvalvar, expondo o VE a uma redução abrupta e significativa da pós-carga. Como consequência, a hipercontratilidade do VE e o gradiente intraventricular dinâmico podem desenvolver-se ou agravar-se, levando a hipotensão e choque – fenômeno descrito como ventrículo suicida.

(Fonte: J Am Coll Cardiol Case Rep. 2023 Nov, 26 102065)

Ao contrário do que se poderia imaginar, visto que um paciente com estenose aórtica importante tende a ser um paciente hipervolêmico, uma medida preventiva para um paciente com gradiente intraventricular já conhecido, seria hidratação IV a fim de aumentar pré-carga do ventrículo. Claro, até o máximo tolerado pelo paciente. Outra medida consistiria em beta- bloqueadores em dose máxima tolerada, o que ajudaria a reduzir o gradiente intraventricular.

No caso de choque, excluindo-se outras causas além da obstrução de via de saída do VE, recomenda-se o uso de vasocontrictores puros, visto que inotrópicos, como dobutamina por exemplo, poderia agravar a obstrução dinâmica e piorar a instabilidade hemodinâmica.

Trata-se portanto de uma condição relevante, potencialmente geradora de piores desfechos, e que devemos ficar atentos na prática clínica. Pensar nessa condição e poder atuar nela de forma preventiva através de medidas clínicas, ou até mesmo com intervenção através de uma possível ablação septal, são ponderações que devem ser levadas em conta e discutidas em reuniões de heart team durante a proposta de TAVI.

Referências

KOLIASTASIS et al. Overcoming the Obstacle of Suicide Left Ventricle After Transcatheter Aortic Valve Replacement Phenomenon. J Am Coll Cardiol Case Rep. 2023 Nov, 26 102065.

BHATT, Deepak L.. Cardiovascular Intervention: A Companion to Braunwald’s Heart Disease. Boston: Elsevier, 2016.

Braunwald – Tratado de Doenças Cardiovasculares – Elsevier. 12ª edição, 2022.

SORAJJA, Paul; BOOKER, Jeff D.; RIHAL, Charanjit S.. Alcohol septal ablation after transaortic valve implantation: the dynamic nature of left outflow tract obstruction. Catheterization And Cardiovascular Interventions, [S.L.], v. 81, n. 2, p. 387-391, 6 fev. 2012. Wiley. http://dx.doi.org/ 10.1002/ccd.23454.

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