Insuficiência Cardíaca

Estamos sendo lentos na progressão de doses na IC?

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A insuficiência cardíaca (IC) é responsável por um terço das hospitalizações de causas cardiovasculares no Brasil (1). Apesar disso, nem sempre esses pacientes estão com as doses medicamentosas plenas indicadas pelas diretrizes de IC(2, 3). Entretanto, vem a pergunta: é seguro a progressão de doses dos medicamentos na IC  em curto prazo? Tentando esclarecer esse território, há um estudo publicado no The Lancet, denominado STRONG-HF(4), que avaliou a segurança e eficácia de uma rápida progressão de medicações em pacientes internados e logo após alta, tentando alcançar as metas das diretrizes, quando comparado com uma conduta usual de cada serviço participante.

O STRONG-HF foi um estudo internacional multicêntrico, aberto, randomizado, de grupos paralelos. Foram randomizados 1078 pacientes com 18 a 85 anos (eram 1800 planejados inicialmente, mas vamos entender o porquê da mudança), que foram internados por IC aguda, hemodinamicamente estáveis, que não estavam recebendo as terapias plenas indicas pelas diretrizes e com NT-pro-BNP > 2500pg/mL. A média de idade dos participantes foi de 63 anos, sendo de maioria homens (61%). Eles foram randomizados em dois grupos conforme estratégias de progressão de doses na IC, o de tratamento intensivo e o de terapia usual, e seguidos por 180 dias. Os pacientes eram ainda estratificados conforme a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Devido a própria natureza do estudo, nem os médicos, nem os pacientes eram cegos ao tipo de conduta.

As medicações tituladas eram da chamada “tripla terapia”: betabloqueadores, antagonistas mineralocorticoides e inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) ou ainda inibidores da neprilisina (ARNI). Se notaram falta da classe dos inibidores da SGLT-2, os autores explicam que, na época início do estudo, ainda não havia evidências que aprovassem o uso na IC (Confira também: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/podcast-como-evoluiu-o-tratamento-da-insuficiencia-cardiaca-ao-longo-dos-anos/). Aqueles que eram randomizados para o grupo de terapia usual, depois da alta, tinham seu retorno ambulatorial em até 90 dias, de acordo com a rotina da instituição. O grupo de tratamento intensivo seguia um algoritmo de otimização das terapias orais e visitas frequentes, além de aferições laboratoriais incluindo o NT-pro-BNP para avaliar a congestão. Esse algoritmo consistia, resumidamente, em iniciar a titulação logo após a randomização e a intenção era de que estivessem com pelo menos metade da dose considerada ótima pelas diretrizes de IC dois dias antes da previsão de alta. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas ou readmissão por IC em 180 dias. Os desfechos secundários foram: em 180 dias, ocorrência de morte por todas as causas, readmissão por IC ; em 90 dias, avaliação de mudança na qualidade de vida, readmissão por IC e mortalidade por todas as causas. Agora chegou a hora de saciar a curiosidade, vamos verificar os resultados.

O grupo de titulação rápida foi tão melhor a ponto da equipe de monitoramento de segurança do estudo o interromper precocemente – e por isso não se atingiu os 1800 recrutamentos previstos (Você sabe por que e como um estudo pode ser interrompido? Confira mais sobre isso em nosso Curso de Medicina Baseada em Evidência: https://lp2.cardiopapers.com.br/mbe-matriculas-perpetuo-vitrine/). A ocorrência do desfecho primário no grupo intensivo foi de 15,2%, enquanto que o de terapia tradicional foi de 23,3% (p=0,0021), ou seja, uma redução de 34% no risco relativo de morte por todas as causas ou readmissão hospitalar em 6 meses após alta, ou seja, correspondendo a um NNT = 12. Os pacientes de titulação acelerada tiveram menor re-internação em 180 dias quando comparado ao de terapia usual (9,5% vs. 17,1%, respectivamente; p = 0,0011), mas sem redução estatisticamente significativa de morte ou readmissão em 90 dias. Apesar de todos esses benefícios, o tratamento mais agressivo levou a mais eventos adversos como hipotensão, bradicardia, hipercalemia e disfunção renal (41,1% vs 29%), mas isso não resultou em efeitos adversos sérios (16% vs 17%) ou fatais (5% vs 6%), ou seja, foi bastante similar e, portanto, seguro. Em uma análise de subgrupo, o benefício da titulação acelerada foi   consistente independente de o paciente ter FEVE preservada ou  FEVE reduzida.

O que levar deste estudo para a prática?

Esse estudo mostra que os pacientes internados toleram e têm melhor prognóstico com a progressão rápida de doses na IC as doses, iniciando ainda na internação e durante as primeiras semanas em um seguimento intensivo. O que é razoável ser avaliado antes de se implementar essa conduta é se o contexto em que se está inserido tem estrutura/agilidade ambulatorial e laboratorial para simular ou assemelhar as condições implementadas pelo estudo. Resguardado esse cuidado, felizmente são resultados animadores, pois não se trata de uma medicação ou medida nova, mas sim de usar as ferramentas já conhecidas de uma maneira um pouco diferente. 

REFERÊNCIAS

  1. Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Malta DC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Cardiovascular Statistics – Brazil 2021. Arq Bras Cardiol. 2022;118(1):115-373.
  2. Joseph S, Panniyammakal J, Abdullakutty J, S S, Vaikathuseril L J, Joseph J, et al. The Cardiology Society of India-Kerala Acute Heart Failure Registry: poor adherence to guideline-directed medical therapy. Eur Heart J. 2021.
  3. Granger BB, Kaltenbach LA, Fonarow GC, Allen LA, Lanfear DE, Albert NM, et al. Health System-Level Performance in Prescribing Guideline-Directed Medical Therapy for Patients With Heart Failure With Reduced Ejection Fraction: Results From the CONNECT-HF Trial. J Card Fail. 2022;28(8):1355-61.
  4. Mebazaa A, Davison B, Chioncel O, Cohen-Solal A, Diaz R, Filippatos G, et al. Safety, tolerability and efficacy of up-titration of guideline-directed medical therapies for acute heart failure (STRONG-HF): a multinational, open-label, randomised, trial. Lancet. 2022;400(10367):1938-52.

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Sobre o autor

Gustavo Bregagnollo

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