Coronariopatia Hemodinâmica

Revascularização Completa ou Incompleta na DAC crônica?

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A angioplastia coronariana desempenha um papel indiscutível na síndrome coronariana aguda (SCA), entretanto, quando assunto é doença arterial coronariana (DAC) crônica, a revascularização não tem se demonstrado superior ao tratamento clínico otimizado1-3 na maioria dos cenários testados. Voltando a 2019, no estudo COMPLETE4, este evidenciou que fazer angioplastia de todas lesões importantes – não apenas a culpada – em paciente vítimas de SCA trazia benefício no desfecho combinado de morte cardiovascular e infarto agudo do miocárdio (IAM).  Essa evidência, de certa forma, levanta a pergunta nos mais curioso: por que fazer angioplastia no paciente com DAC crônica não parece trazer benefício além da melhora do sintoma, mas se eu tratar as lesões não-culpadas no contexto de IAM pode melhorar o resultado clínico? E se for feita a revascularização completa no paciente com DAC crônica? É a respeito dessa última pergunta que veremos um subestudo5 do trial ISCHEMIA3 (se não conhece o ISCHEMIA, pode conferir aqui).

Os 2588 pacientes COM DAC crônica, randomizados para o grupo intervenção do estudo ISCHEMIA, foram avaliados relação à terem sido submetidos à revascularização completa anatômica (RCA) ou revascularização completa funcional (RCF). Foi considerado RCA aqueles pacientes que receberam tratamento invasivo em todas as lesões em vasos ≥2mm que promoviam estenose ≥50% do seu diâmetro; já no RCF, simplificadamente, tinham a decisão de tratamento da lesão (em vaso  ≥2mm ) pautada na  avaliação combinada do grau de estenose e um método demonstrando isquemia, ou, na ausência de dela, promoviam estenose ≥70%. A revascularização completa (RC) poderia ser alcançada por meio de angioplastia percutânea, cirurgia de revascularização ou com esses métodos combinados. Esse subestudo tinha basicamente dois objetivos: comparar a realização de RCA e RCF com aqueles que fizeram revascularização incompleta e comparar a RC com o grupo de tratamento conservador. O desfecho primário era combinado de morte cardiovascular e infarto do miocárdio foi avaliado em 4 anos de seguimento. Dentre os 1801 avaliados para o grupo RCA, 72,5% foi submetido a angioplastia percutânea, 26,3%, a cirurgia de revascularização, e 1,3% fizeram método híbrido. A RCA foi de fato atingida em 781 pacientes (43,4%) desse grupo. O grupo RCF avaliou 1742 pacientes que foram submetidos a angioplastia percutânea, cirurgia de revascularização e método híbrido em 71,8%, 26,9% e 1,3% dos casos, respectivamente. A RCF nesse grupo foi efetivamente alcançada em 58,4% dos casos (1017).

Vamos para os resultados?

Quando comparado à revascularização incompleta, tanto a RCA quanto a RCF demonstraram redução estatisticamente significativa de morte cardiovascular e infarto do miocárdio no período de seguimento de 4 anos. Mesmo após ajustar os resultados de acordo com comorbidades e extensão de doença, a magnitude dessas associações se mantiveram, embora atenuadas. Quando atingido a RCA, esta foi associada a uma redução absoluta de 3,5% no desfecho primário quando comparado ao tratamento conservador. A RCF teve resultado similar, embora os benefícios não tenham sido tão pronunciados. Além disso, a mortalidade por todas as causas foi praticamente idêntica entre os grupos intervenção e conservador, demonstrando que aparentemente não houve prejuízo em se tentar atingir a revascularização completa.

Com esses resultados, é hora de colocar stent e pontes em todas as lesões ≥ 50% e perseguir a revascularização completa?

Não, vamos com calma…

Antes de mais nada vamos lembrar que este é um subestudo, logo é um gerador de hipótese e não conclusão definitiva. Segundo que outros estudos já avaliaram a revascularização completa6 em pacientes com doença coronária multivascular, com melhora de desfechos. Mas, esses resultados nem sempre foram homogêneos, e a estratégia preferencial (RCA vs RCF) ainda é incerta. Saber escolher entre ambas estratégias é uma decisão importante, pois tentar atingir a RCA em geral demanda maior quantidade de insumos, de contraste ou de enxertos, enquanto tentar atingir a RCF demanda mais exames diagnósticos. Além disso, nem sempre é possível proceder com a revascularização completa devido às comorbidades, complexidades anatômicas e limitação de técnica. O que talvez precisamos é seguir tentando identificar se existe algum limiar em que uma revascularização incompleta possa propiciar ganhos semelhantes à completa, mas com menor risco periprocedimento, maior aplicabilidade no mundo real e também menor quantidade de insumos gastos.

Referências

1.         Boden WE, O’Rourke RA, Teo KK, Hartigan PM, Maron DJ, Kostuk WJ, et al. Optimal medical therapy with or without PCI for stable coronary disease. N Engl J Med. 2007;356(15):1503-16.

2.         Frye RL, August P, Brooks MM, Hardison RM, Kelsey SF, MacGregor JM, et al. A randomized trial of therapies for type 2 diabetes and coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(24):2503-15.

3.         Maron DJ, Hochman JS, Reynolds HR, Bangalore S, O’Brien SM, Boden WE, et al. Initial Invasive or Conservative Strategy for Stable Coronary Disease. N Engl J Med. 2020;382(15):1395-407.

4.         Mehta SR, Wood DA, Storey RF, Mehran R, Bainey KR, Nguyen H, et al. Complete Revascularization with Multivessel PCI for Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2019;381(15):1411-21.

5.         Stone GW, Ali ZA, O’Brien SM, Rhodes G, Genereux P, Bangalore S, et al. Impact of Complete Revascularization in the ISCHEMIA Trial. J Am Coll Cardiol. 2023;82(12):1175-88.

6.         Gaba P, Gersh BJ, Ali ZA, Moses JW, Stone GW. Complete versus incomplete coronary revascularization: definitions, assessment and outcomes. Nat Rev Cardiol. 2021;18(3):155-68.

 

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Sobre o autor

Gustavo Bregagnollo

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