Insuficiência Cardíaca

É tarde para iniciar dapagliflozina no meu paciente com ICFEp?

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Todo cardiologista que tenha que tratar pacientes com insuficiência cardíaca (IC) sabe que, embora a capacidade funcional e a sobrevida tenham melhorado muito, ela é uma doença progressiva. Dessa forma, é esperado que pacientes com mais tempo de diagnóstico tendem a apresentar menor tolerância às medicações e pior prognóstico. Recentemente, os inibidores da SGLT2 (dapagliflozina e empagliflozina) entraram para o arsenal terapêutico dos portadores de IC de fração de ejeção preservada (ICFEp) e levemente reduzida (ICFElm) como drogas redutoras de morte cardiovascular e hospitalização1,2. Logo, naturalmente, os cardiologistas vão buscar introduzir essa classe na prescrição contínua.

Contudo, será que esses pacientes com doença mais avançada apresentam os mesmos benefícios quando comparados com aqueles com menor tempo de evolução? E ainda, será que esses pacientes com mais tempo de doença também vão tolerar bem estas medicações? Para responder essas perguntas, um estudo publicado recentemente no Circulation3 avaliou a resposta terapêutica dos pacientes à introdução da dapagliflozina em pacientes portadores de ICFEP ou ICFElr em diversos momentos de tempo de doença.

Vamos entender a respeito dele?

Os autores deste estudo utilizaram a base de dados DELIVER. Resumidamente, o DELIVER avaliou a prescrição de dapagliflozina em portadores de ICFEP ou ICFElr, e demonstrou redução significativa no desfecho composto de morte cardiovascular ou internação por IC em relação ao grupo placebo. A população estudada era composta de 6.258 indivíduos com 40 anos ou mais, que tiveram o diagnóstico de IC com uma fração de ejeção >40% (ICFEP ou ICFElr) há mais de 6 semanas, e que estavam em classe funcional de NYHA II a IV. Para esta sub-análise, a população foi estratificada de acordo com o tempo do diagnóstico da IC em: ≤3 meses, >3 a 6 meses, >6 a 12 meses, >1 a 2 anos, >2 a 5 anos e >5 anos. O objetivo era avaliar se o desfecho primário do estudo DELIVER era influenciado pelo tempo de diagnóstico da IC.  Como esperado, os grupos com maior tempo de doença eram ligeiramente mais idosos e tinham mais comorbidades.

E quem foi mais beneficiado pela dapagliflozina?

Indo direto ao ponto, a introdução da dapagliflozina trouxe benefício independente do tempo de diagnóstico da ICFEp! As incidências do desfecho primário de morte e hospitalização por IC para 100 pacientes-ano foram as seguintes:

  • ≤6 meses = 7,3 (IC95% 6,3 a 8,4);
  • 6 a 12 meses = 7,1 (IC95% 6,0 a 8,5);
  • >1 a 2 anos = 8,4 (IC95% 7,2 a 9,7);
  • >2 a 5 anos = 8,9 (IC95% 7,9 a 9,9);
  • e >5 anos = 10.6 (IC95% 9,5 a 11,7).

Um adendo para os mais atentos: o autor explica que os dois primeiros grupos precisaram ser condensados em apenas um (o de ≤6 meses) para garantir números adequados para perfazer a análise. Retornando à análise dos resultados, o que torna ainda mais interessante a introdução dessa classe em qualquer momento da IC é que o NNT naqueles com mais tempo de diagnóstico (> 5 anos) foi de 24, enquanto que no grupo ≤ 6 meses foi de 32. Ou seja, os mais beneficiados pela dapagliflozina foram justamente aqueles que são considerados mais frágeis e com mais tempo de doença4. Isso pode ter ocorrido, segundo os autores, devido ao amplo mecanismo ação dos iSGLT2. Especula-se que ele pode ter atuado também nas várias comorbidades do grupo com mais de > 5 anos de doença (como por exemplo, a pior função renal). Além disso, não houve variação de eventos adversos entre os grupos, reforçando a segurança na utilização em todas as faixas.

Que mensagem levar para casa com este estudo?

Aparentemente nunca é tarde (ou cedo) demais para iniciar iSGLT2 em seu paciente com ICFEp ou ICFElr. E melhor ainda, os mais beneficiados parecem ser justamente aqueles com maior tempo de doença (mais velhos e com mais comorbidades), em que talvez tendemos a “segurar a mão” na hora de prescrever. Felizmente, é mais um ponto favorável que os iSGLT2 marcam no tratamento da IC.

 

Referências

  1. Anker SD, Butler J, Filippatos G, Ferreira JP, Bocchi E, Böhm M, et al. Empagliflozin in Heart Failure with a Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med. 2021;385(16):1451-61.
  2. Solomon SD, McMurray JJV, Claggett B, de Boer RA, DeMets D, Hernandez AF, et al. Dapagliflozin in Heart Failure with Mildly Reduced or Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med. 2022;387(12):1089-98.
  3. Kondo T, Jering KS, Borleffs CJW, de Boer RA, Claggett BL, Desai AS, et al. Patient Characteristics, Outcomes, and Effects of Dapagliflozin According to the Duration of Heart Failure: A Prespecified Analysis of the DELIVER Trial. Circulation. 2023;147(14):1067-78.
  4. Butt JH, Jhund PS, Belohlávek J, de Boer RA, Chiang CE, Desai AS, et al. Efficacy and Safety of Dapagliflozin According to Frailty in Patients With Heart Failure: A Prespecified Analysis of the DELIVER Trial. Circulation. 2022;146(16):1210-24.

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Sobre o autor

Gustavo Bregagnollo

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