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O que andam dizendo sobre estatinas nas redes sociais

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

A propagação de informações falsas ou enganosas (fake news) sobre questões de saúde pode ter consequências graves, incluindo comportamentos de risco, má adesão ao tratamento, medo ou confusão desnecessários, e até mesmo crises de saúde pública. Um estudo recente mostrou como é possível utilizar a inteligência artificial para identificar desinformação sobre estatinas nas redes sociais.

As estatinas reduzem a morbidade e a mortalidade por doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA), a principal causa de morte em todo o mundo. Por isso, estão entre os medicamentos mais comumente prescritos – em parte por causa de sua ampla disponibilidade, baixo custo, alto grau de eficácia e ampla indicação clínica.  No entanto, apesar de seus benefícios e segurança bem estabelecidos, o uso de estatina permanece abaixo do ideal em indivíduos de alto risco com indicações clínicas recomendadas por diretrizes.

Compreender as razões para a subutilização de estatinas, incluindo as perspectivas do paciente, é crucial para orientar a saúde pública e os esforços de implementação para a prevenção e tratamento de DCVA. Embora as barreiras ao uso de estatinas tenham sido exploradas por meio de pesquisas qualitativas e pesquisas direcionadas, elas podem não refletir a percepção mais ampla da sociedade.

As plataformas de mídia social podem disseminar rapidamente informações ou desinformações por meio de discussões. Mas, a análise manual de informações de mídias sociais tem viabilidade limitada, dada a velocidade e o volume com que novos dados são gerados diariamente. Os métodos de inteligência artificial (IA) podem facilitar a análise e interpretação desses valiosos dados gerados pelo paciente que podem influenciar os comportamentos de saúde.

Buscando entender como a comunidade usuária de redes sociais lidavam com as informações acerca dos riscos do colesterol e uso de estatinas, foi utilizada uma ferramenta de inteligência artificial para rastrear, interpretar e categorizar as informações sobre estatinas. Esta ferramenta coletou dados de mais de uma década (2009 a 2022) em fóruns e canais de discussões sobre estatinas na plataforma Reddit.

Comunidades focadas em estatina e colesterol foram identificadas para criar uma lista de discussões relacionadas às estatinas. Um pipeline de inteligência artificial foi desenvolvido para agrupar essas discussões em tópicos específicos e grupos temáticos abrangentes. O pipeline consistia em um modelo de processamento de linguagem natural semi-supervisionado (BERT [Bidirectional Encoder Representations from Transformers]), uma técnica de redução de dimensionalidade e um algoritmo de agrupamento. A percepção para cada discussão identificada foi rotulada como positivoneutro ou negativo.

E quais foram os resultados?

Um total de 10.233 discussões únicas relacionadas às estatinas (961 postagens e 9.272 comentários) de 5.188 autores únicos foram identificados.

Uma das descobertas apontou que este tipo de discussão aumentou com o tempo, em média 32,9% ao ano.

Alguns dos temas foram surpreendentes. Embora fosse esperada uma discussão sobre os efeitos colaterais, vários exemplos de informações equivocadas relacionadas às estatinas foram identificados, incluindo a desconfiança da hipótese de que o LDL colesterol tem uma associação causal com doenças cardíacas.

Outros tópicos sugeriram que certos suplementos naturais seriam uma alternativa aceitável às estatinas.

A análise de sentimento revelou que a maioria das discussões teve um sentimento neutro (66,6%) ou negativo (30,8%) sobre as estatinas.

Isso pode explicar um pouco da hesitação na prática clínica. Mas numa rede social ampla, seria esperado que talvez algumas pessoas tivessem uma visão positiva sobre as estatinas, mesmo entre pacientes usuários. Estes foram apenas 2,8% das discussões.

E qual o papel da inteligência artificial?

As aplicações da IA estão aumentando, mas não substituindo, o que os médicos e pesquisadores fazem. Neste estudo, por exemplo, ela foi uma ferramenta valiosa para escanear um grande volume de informações, e gerar novos insights. Algo que, manualmente, demandaria muito tempo e esforço.

As pessoas tendem a ser mais ativas em fóruns online do que no consultório. Perguntas que deveriam ser compartilhadas com o médicos, provavelmente estão sendo feitas em diferentes redes sociais.

Entender todos os tipos de envolvimento dos pacientes, incluindo como interagem com mídias sociais, possibilita que a comunidade médica possa usar das mesmas ferramentas para combater a desinformação em saúde. Este é um problema complexo que requer ações coordenadas de profissionais de saúde, educadores, pesquisadores, agências de saúde pública, e empresas de tecnologia que operam plataformas de mídia social.

 

Referência:

Somani S, van Buchem MM, Sarraju A, Hernandez-Boussard T, Rodriguez F. Artificial Intelligence-Enabled Analysis of Statin-Related Topics and Sentiments on Social Media. JAMA Netw Open. 2023 Apr 3;6(4):e239747. 

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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