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Estenose aórtica importante sem sintomas: quando intervir?

Escrito por Eduardo Lapa

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O grande marcador para intervir em pacientes com estenose aórtica importante é o surgimento de sintomas. Isso foi consolidado após o trabalho clássico do Dr Braunwald do final da década de 60 que mostrou como a sobrevida destes pacientes caia após surgirem dispneia, angina ou síncope.

OK. Mas o que fazer com pacientes assintomáticos? Deixo quieto e faço o que os americanos chama de watchful waiting ou já mando bala e indico intervenção? Os atuais guidelines indicam intervenção nos casos de estenose aórtica “muito importante” (very severe aortic stenosis) baseados em estudos observacionais que demostraram que esses pacientes possuíam prognóstico pior. Quais os critérios para dizer que a estenose aórtica é muito importante? Isso varia um pouco de guideline para guideline. O da SBC de 2017 usa os seguintes critérios:

  • AVAo < 0,7 cm2
  • Gradiente médio > 60 mmHg
  • Velocidade de pico > 5 m/s

Já os europeus colocam velocidade de pico > 5,5 m/s, por exemplo. Americanos focam mais na velocidade de pico > 5 m/s. Enfim, há algumas variações. A diretriz da SBC sugere então que se deve considerar intervenção cirúrgica nas seguintes situações:

Beleza. Segue o jogo. A grande questão é que basicamente todas as indicações de se intervir em uma valvopatia primária importante SEM SINTOMAS são baseadas em estudos observacionais. Ia ser show se a gente tivesse algum ensaio clínico para ajudar. Agora temos! Foi apresentado no congresso da AHA e publicado simultaneamente no New England um trial sobre intervenção em EAo muito importante.

Resumão:

  • Foram randomizados 145 pacientes com estenose aórtica muito importante. Os critérios do estudo foram um pouco diferentes dos que citei acima já que eles usaram como referência uma diretriz antiga da AHA (1998). Então para serem incluídos no estudo os pacientes tinham que ter uma AVAo < 0,75 cm2 associado a uma velocidade de pico > 4,5 m/s ou gradiente médio > 50 mmHg. De toda forma, adiantando um pouco dos resultados, a velocidade de pico média foi ao redor de 5 m/s, a AVAo de 0,64 cm2 e o gradiente médio ao redor de 63 mmHg, ou seja, bem compatível com os critérios usados pelas diretrizes atuais.
  • Os pacientes eram assintomáticos. Quando havia dúvida sobre presença de sintomas, os pacientes eram submetidos a teste ergométrico (apesar de não ter visto o número exatos de indivíduos que realizou este exame).
  • Os pacientes então eram divididos em dois grupos: um que ficava em seguimento clínico e outro que era submetido à cirurgia de troca valvar aórtica.
  • A principal etiologia da EAo foi valva aórtica bicúspide (cerca de 60% dos casos) e a idade média foi de 64 anos. Esse perfil é bem diferente do que vemos nos consultórios uma vez que, de longe, a etiologia degenerativa é a principal causa de EAo atualmente e cada vez mais os pacientes são septuagenários ou octogenários.
  • O endpoint primário do estudo era morte por causas cardiovasculares + morte operatória (aquela que ocorria até 30 dias após a intervenção cirúrgica). O seguimento médio foi de pouco mais de 6 anos.
  • No grupo da cirurgia ocorreu 1% de eventos enquanto que no grupo da observação o número foi de 15% (p 0,09).
  • Em 4 anos, a cada 20 pacientes tratados por cirurgia salvou-se uma vida (NNT 20 – resultado bastante expressivo).
  • Um dado muito importante foi que a taxa de crossover, ou seja, pacientes que foram alocados inicialmente no grupo conservador mas que depois tiveram que ser operados foi de 74%. Ou seja, a enorme maioria dos pacientes desse grupo foi operada eventualmente, com um tempo médio próximo a 2 anos após a randomização. Ou seja, o que estamos discutindo nesse estudo não é operar ou não operar mas sim quando operar. O fato de ter escolhido uma estratégia conservadora inicial aumentou bastante o risco de o paciente vir a morrer no seguimento.
  • Detalhe importante é que a mortalidade operatória no estudo foi nula. Nenhum dos 125 pacientes operados morreu nos primeiros 30 dias após a cirurgia. Resultado excepcional e nem sempre fácil de replicar na vida real.

Resumo da ópera:

  • O estudo agrega novos dados ao que já sabemos. Ele ratifica a conduta preconizada pelos guidelines atuais dando força ao que já fazíamos baseado apenas em estudos observacionais. Contudo, existem limitações. A principal é a questão dos pctes avaliados. Se recebo no meu consultório uma paciente de 95 anos, frágil, com estenose aórtica muito importante (AVAo de 0,6 cm2 e gradiente médio de 62 mmHg, por exemplo) o cenário é bem diferente do que foi visto no estudo. Neste caso hipotético temos uma paciente com risco cirúrgico no mínimo moderado e que tem uma boa chance de ter mais malefício do que vantagem com a intervenção.

-Eduardo, mas nesse caso não poderia indicar uma TAVI?

  • Pois é. Esse dado ainda não temos. As diretrizes atuais são bem claras que quando se indica intervenção nesses casos de EAo assintomática a modalidade escolhida deveria ser a cirúrgica. Não porque seja melhor, mas simplesmente porque não temos dados com TAVI. Ainda. Em 2021 teremos os dados do EARLY TAVR para ajudar.

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Sobre o autor

Eduardo Lapa

Editor-chefe do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela SBC

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