Arritmia Perioperatorio

Derrame pericárdico e FA no pós-operatório

Escrito por Luciana Sacilotto

Esta publicação também está disponível em: Português

Quem trabalha com pós operatório de cirurgia cardíaca, frequentemente se depara com a FA no pós-operatório entre 2º ao 5º dia após cirurgia. Apesar de relativamente fácil de tratar, está associada a maior taxa de AVC, insuficiência cardíaca e óbito, além do aumento dos custos hospitalares. (Checa também este nosso resumo aqui: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/fibrilacao-atrial-no-pos-operatorio-de-cirurgia-cardiaca-o-que-fazer/)

Pautadas em modelos animais, novas evidências sugerem que o derrame pericárdico pós-operatório e a inflamação pericárdica localizada podem desencadear fibrilação atrial (FA) no pós operatório  de cirúrgica cardíaca. Nesse contexto, a revista JACC publicou uma revisão sobre o tema, contemplando aspectos epidemiológicos, patofisiológicos, com foco no papel do derrame pericárdico e da inflamação1.

O termo FA no pós-operatório é aplicado a pacientes que apresentam o primeiro episódio de FA logo após a cirurgia. A sociedade americana de cirurgia torácica inclui nessa definição apenas a FA com necessidade de tratamento, enquanto a sociedade europeia define como qualquer documentação com 30 segundos de duração, mesmo que autolimitada.

A incidência da FA no pós-operatório é logicamente afetada conforme o sua definição e o tempo de monitorização contínua no pós operatório (de imediato até 30 dias). Idade, sexo masculino, insuficiência cardíaca, hipertensão, obesidade, DPOC e doença mitral são os fatores de risco individuais para FA no pós-operatório e a cirurgia mitral está relacionada a sua maior incidência.

Considerando o mecanismo eletrofisiológico de início e perpetuação da FA, reentrada e/ou atividade deflagrada, o pós operatório de cirurgia cardíaca é um momento crítico para pacientes suscetíveis. Vários mecanismos têm sido postulados na fisiopatologia da FA no pós-operatório, provavelmente com atuação sinérgica (tabela 1).

 

Tabela 1. Novos Mecanismos para FA no pós operatório
Mecanismo Comentários
Derrame pericárdico e inflamação Ação pró-oxidante e pró-inflamatória; estudos apoiam redução da incidência de FAPO por drenagem cirúrgica do pericárdio no pós-operatório.
Reentrada e atividade ectópica

das veias pulmonares

A mudança abrupta na orientação das fibras favorece a reentrada e atividade ectópica, ambas associadas com a gênese de FA. A ablação sistemática das veias pulmonares, no entanto, não conseguiu reduzir a incidência de FAPO em revascularização miocárdica.
Atividade metabólica da gordura periatrial e neuromodulação autonômica A gordura periatrial é um tecido metabólico ativo ligado ao sistema nervoso autônomo. A regulação autonômica e a secreção parácrina de adipocinas e citocinas modulam o ritmo atrial. A redução de estímulos inflamatórios ou autonômicos na gordura pericárdica por meio da injeção de toxina botulínica tem mostrado resultados promissores.

A redução da incidência de FAPO também foi reportada com ablação epicárdica ou injeção de CaCl2 nos plexos ganglionados. Outras estratégias de neuromodulação incluem estimulação do nervo vago, bloqueio do gânglio estrelado, estimulação dos barorreceptores, estimulação medular e denervação renal.

Modificação de canais iônicos Poucos estudos exploraram o efeito das modificações dos canais iônicos na ocorrência de POAF e há poucos resultados consistentes.
Desacoplamento das junções gap O desacoplamento de junções comunicantes pode alterar a velocidade de condução e promover reentrada.
Disfunção mitocondrial O estresse oxidativo ocorre por sobrecarga de produtos da oxigenação promovidos pelas mitocôndrias (ROS, reactive oxygen specie).
Predisposição genética Polimorfismos genéticos na região intrônica no antígeno linfocitário 96 foram associados a uma diminuição do risco de POAF. Por outro lado, variantes genéticas do receptor quinase 5 acoplado à proteína G e polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) não codificantes no locus cromossômico 4q25 foram associadas ao aumento do risco de FAPO.
Alteração estrutural nos átrios A fibrose atrial é um achado consistente em pacientes com FA. Estudos histopatológicos do tecido atrial também mostraram associação entre FAPO e miólise atrial pré-operatória, vacuolização miocárdica atrial, aumento da apoptose miocárdica e fibrose nos apêndices atriais direitos.

Diversos fármacos já foram estudados e analisados em meta-análises para prevenção de FA no pós-operatório. As estatinas mostraram benefício em cirurgias de revascularização miocárdica, mas não em cirurgias valvares. A colchicina aparentemente reduziu a FA no pós-operatório, no entanto a alta ocorrência de eventos adversos gastrointestinais limitou sua utilização. Os betabloqueadores, que também reduzem a ocorrência da arritmia, são recomendados principalmente para os pacientes que já os utilizam.

Na busca de mais esclarecimentos sobre o mecanismo, novas evidências sugerem que o derrame pericárdico hemorrágico, independente da quantidade, possui efeito pro-oxidante e pro-inflamatório desencadeado por ativação da cascada de coagulação, produtos de degradação e burst oxidativo.  O estresse oxidativo ocorre por sobrecarga de produtos da oxigenação (ROS, reactive oxygen specie) que resultam em peroxidação lipídica, ruptura de membranas, disfunção mitocondrial, sobrecarga de cálcio, apoptose e necrose periatrial. Em animais, a atriotomia, a pericardiotomia e a pericardite iatrogênica estéril estão associadas à inflamação e à fibrose, que geram alterações eletrofisiológicas nos átrios, como o encurtamento do período refratário efetivo e a aumento na heterogeneidade na velocidade da condução.

No conceito de que a redução do derrame pericárdico poderia reduzir a FA no pós-operatório, a pericardiotomia posterior, que consiste em uma incisão longitudinal de 4-5 cm na porção posterior, emergiu como mais uma medida na prevenção de FA no pós-operatório. Os ensaios clínicos disponíveis apontaram a redução de FA no pós-operatório com o procedimento e os autores da revisão demonstraram seus resultados em estudo unicêntrico, com redução da incidência de FA no pós-operatório: 17% vs 32% (P < 0,001); OR: 0,44; 95% CI: 0,27-0,70 (P < 0,001).

Outro dado relevante apontado nessa revisão é que quase todos os pacientes (83%) com FA clínica tiveram FA no pós-operatório e os pacientes com FA no pós-operatóriopossuem 8 vezes mais chance de desenvolver FA clínica em médio-longo prazo. Apesar da FA no pós-operatório e a FA clínica serem 2 entidades com diferentes mecanismos fisiopatológicos, a FA no pós-operatório é forte preditor de desenvolvimento de FA clínica.

Concluindo, as atuais estratégias profiláticas para prevenir a FA no pós-operatório são apenas parcialmente eficazes, sendo a drenagem do derrame pericárdico promissora, com menos efeitos colaterais e custos mais baixos em comparação com os atuais tratamentos (antiarrítmicos, colchicina, esteróides, magnésio e estatinas, bem como overdrive atrial). Enquanto isso, mais estudos são necessários para elucidar a fisiopatologia da FAPO e sua melhora abordagem preventiva.

 

Dicas práticas:

Reduza os triggers: dor, distúrbios eletrolíticos

Atenção aos pacientes com fatores de risco: homens, idosos, com comorbidades e pacientes submetidos a cirurgia mitral.

– A FA no pós-operatório tem alto risco e recorrer em FA clínica. Revise sempre possibilidades de anticoagulação em longo prazo.

 

REFERÊNCIA

Gaudino M, Di Franco A, Rong LQ, Cao D, Pivato CA, Soletti GJ, Chadow D, Cancelli G, Perezgrovas Olaria R, Gillinov M, DiMaio JM, Girardi LN. Pericardial Effusion Provoking Atrial Fibrillation After Cardiac Surgery: JACC Review Topic of the Week. J Am Coll Cardiol. 2022 Jun 28;79(25):2529-2539. (https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2022.04.029) 

 

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