Coronariopatia Prevenção

Um só comprimido? – O segredo da polipílula na prevenção secundária de eventos cardiovasculares

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

00Uma estratégia com uma polipílula contendo aspirina, estatina e um inibidor da ECA foi capaz de reduzir eventos cardiovasculares na prevenção secundaria em pacientes com infarto agudo do miocárdio recente. Esta foi a conclusão do estudo SECURE, apresentado no ESC 2022 e publicado simultaneamente no NEJM.

 

O que diziam as evidências:

  • Apesar da disponibilidade de um arsenal terapêutico farmacológico efetivo em reduzir eventos cardiovasculares na prevenção secundária, ainda é alta a recorrência de isquemia miocárdica, cerebral, ou até morte. Parte disto é atribuído à baixa aderência medicamentosa, estimada em 50%. Barreiras para aderência incluem fatores relacionados aos pacientes, aos prescritores, e até aos sistemas de saúde.
  • A estratégia da polipílula já demonstrou melhorar a aderência medicamentosa, simplificando o tratamento. Uma meta-análise recente de ensaios clínicos randomizados mostrou menor incidência de eventos cardiovasculares em usuários de polipílula, MAS no contexto de prevenção primária. (Quer saber a diferença entre prevenção primária e secundária? Checa este nosso post: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/qual-diferenca-entre-prevencao-primaria-secundaria-e-terciaria/)

 

Como foi o estudo:

  • O SECURE foi um ensaio clínico randomizado de faze 3, multicêntrico, internacional (mas que incluiu apenas países europeus).

 

  • Foram incluídos pacientes com história de infarto agudo do miocárdio nos últimos meses, randomizados para receberem a polipílula (n=1.258) ou o cuidado padrão guiado por diretrizes (n=1.241), e seguidos por 3 anos. A polipílula continha aspirina (100mg), atorvastatina (20 ou 40mg) e ramipril (2,5, 5 ou 10mg). As doses da estatina ou do IECA eram escalonadas de acordo com a meta de LDL e pressão arterial, respectivamente, com o apoio de uma central online. A idade média foi 75,8 anos, 69% eram homens, 42% eram diabéticos.

 

E quais foram os principais resultados?

  • O desfecho primário composto (morte cardiovascular, infarto do miocárdio tipo 1, acidente vascular cerebral isquêmico ou revascularização urgente) ocorreu em 9,5% (n=118) no grupo polipílula e em 12,7% (n=156) no grupo controle (HR 0,76; IC 95% 0,60 a 0,96; p=0,02).
  • O desfecho secundário (composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio tipo 1 ou acidente vascular cerebral isquêmico) ocorreu em 8,2% (n=101) no grupo polipílula e em 11,7% (n=144) no grupo de cuidados habituais (HR 0,70; IC 95% 0,54 a 0,90; p=0,005).
  • Não houve diferenças significativas nos valores de pressão arterial e LDL colesterol entre os dois grupos, na avaliação de 24 meses. Neste mesmo período, o grupo polipílula apresentou maior adesão medicamentosa (74,1%) do que aqueles sob cuidados habituais (63,2%) (HR 1,17; IC 95% 1,10 a 1,25).

 

 

Comentários:

Apesar do conceito de polipílula estar próximo de completar 20 anos da primeira evidência na literatura médica, sua aplicabilidade na prática clínica ainda enfrenta certas resistências. Tendo como foco inicial a prevenção primária, muitos argumentaram que poderíamos estar super-medicando indivíduos de baixo risco, ou diminuindo a importância do comportamento e mudança do estilo de vida em detrimento de uma “pílula mágica”.  Mais difícil ainda era transpor o conceito da polipílula na prevenção secundária, com diversas metas terapêuticas concomitantes para mitigar o chamado risco residual. Ao contrário da prevenção primária, aqui os críticos argumentavam sob o risco de submedicação, devido às dificuldades de ajustar os componentes individuais da fórmula.

 

O estudo SECURE complementa vários estudos de na prevenção primária, confirmando o potencial benéfico da polipílula na prevenção secundária em várias frentes de cuidado. O uso desta estratégia de comprimido único é seguro, promove maior adesão, e reduz desfechos.

 

Interessantemente, o benefício observado neste estudo ocorreu mesmo sem diferenças significativas na pressão arterial ou nos níveis de LDL entre os dois grupos. Apenas a questão da maior adesão no grupo polipílula poderia explicar a redução significativa de eventos cardiovasculares? Talvez essa maior adesão também tenha contribuído com melhor controle de outros fatores de risco não mensurados.

 

No editorial publicado concomitante no NEJM, há o alerta para critérios de inclusão estritos que podem não garantir a universalidade dos achados. Além disso, permanecem barreiras à implementação desta estratégia na prática clínica, e a possível necessidade de parcerias públicas e privadas para garantir que a polipílula na prevenção secundária se torne uma realidade.

 

 

Referências:

 

Castellano JM, Pocock SJ, Bhatt DL, et al., on behalf of the SECURE Investigators. Polypill Strategy in Secondary Cardiovascular Prevention. N Engl J Med 2022;Aug 26:[Epub ahead of print].

 

Editorial: Wang TJ. The Polypill at 20 — What Have We Learned? N Engl J Med 2022;Aug 26:[Epub ahead of print].

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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