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Quais os efeitos da maconha no sistema cardiovascular?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

Recentemente, tem crescido o interesse na utilização da cannabis para uma variedade de condições clínicas. Entre as indicações para o uso medicinal da cannabis, estão: dor crônica ou relacionada ao câncer, espasticidade na esclerose múltipla, náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia, algumas formas de epilepsia resistente a medicamentos (como a Síndrome de Dravet e a Síndrome de Lennox-Gastaut). Embora a pesquisa envolvendo a cannabis tenha crescido na última década, ela tem efeitos efeitos colaterais potenciais, e pode interagir com outros medicamentos.

Afinal, qual a diferença entre “cannabis”, “THC” e “canabidiol”?
  1. Cannabis (também referida como maconha) é o nome científico do gênero de plantas que inclui Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. Elas são conhecidas por produzir uma variedade de compostos químicos, como os canabinoides, terpenos e flavonoides.

  2. O THC, ou tetraidrocanabinol, é um dos muitos canabinoides encontrados na cannabis. É o principal composto psicoativo encontrado na cannabis e tem uma relação complexa com o sistema endocanabinoide. Em vez de inibir esses receptores, o THC age como um agonista parcial, ou seja, ele se liga e ativa parcialmente esses receptores. Os dois principais receptores endocanabinoides são o CB1 e o CB2. O THC tem maior afinidade pelo receptor CB1, que é encontrado principalmente no cérebro e no sistema nervoso central. Esta propriedade é diferente da ação dos próprios endocanabinoides produzidos pelo corpo, como a anandamida e o 2-AG. Estes últimos atuam como ligantes endógenos para os receptores CB1 e CB2 e desempenham um papel no equilíbrio e na modulação de várias funções fisiológicas.

  3. O canabidiol, ou CBD, é outro canabinoide encontrado na planta de cannabis. Ao contrário do THC, o CBD não é psicoativo, o que significa que não produz “euforia”. No entanto, o CBD tem uma variedade de possíveis aplicações terapêuticas, incluindo a redução da ansiedade, manejo da dor e a redução do limiar de convulsões em certas condições. O CBD atua de maneira mais complexa, tendo pouco efeito direto sobre os receptores CB1 e CB2. Em vez disso, o ele atua como modulador nos receptores do sistema endocanabinoide. Seus efeitos podem se assemelhar a um antagonista fraco ou um inibidor alostérico negativo nos receptores CB1, o que significa que ele pode impedir ou diminuir a ativação desses receptores por outros compostos, como o THC. Isso pode ajudar a reduzir os efeitos psicoativos do THC.

Em resumo, cannabis (ou maconha) pode se referir à planta como um todo, enquanto THC e canabidiol são dois dos muitos compostos ativos que a planta de cannabis produz. Esta distinção é importante, pois postula-se que cada um desses compostos tem propriedades e efeitos diferentes no aparelho circulatório, como falaremos abaixo.

Qual é mais abundante na maconha, THC ou canabidiol?

O composto mais abundante na cannabis pode variar dependendo da cepa específica da planta. Frequentemente, o THC é o canabinóide mais abundante, especialmente nas variedades cultivadas para uso recreativo. O THC também é mais potente que o CBD e tem um maior impacto nos sistemas de sinalização cerebral. 

Por outro lado, o CBD pode ter maior concentração em variedades de maconha cultivadas para uso medicinal. Nos últimos anos, os produtores de cannabis têm criado variedades de plantas com diferentes proporções de THC para canabidiol para atender às diferentes necessidades.

Quais os efeitos da cannabis no sistema cardiovascular?

Algumas dos efeitos cardiovasculares associados ao uso da maconha incluem:

1. Aumento da frequência cardíaca: A ativação dos receptores CB1 (sobretudo pelo THC) pode levar a um aumento temporário na FC. Esse efeito geralmente tem curta duração, mas pode ser mais pronunciado em indivíduos com história de miocardiopatia ou arritmias, nos quais a elevação da FC é indesejada. Ademais, há relatos do uso de cannabis associados a arritmias, como fibrilação atrial, mas esta relação ainda não é bem compreendida.  

2. Elevações na pressão arterial. Em algumas pessoas, este aumento na PA pode ser transitório. Mas outras pessoas podem apresentar uma elevação mais sustentada da PA, aumentando o risco em portadores de hipertensão arterial ou outras doenças cardiovasculares. 

3. Alterações no fluxo sanguíneo e vasorreatividade: Para além da PA, os efeitos vasculares da cannabis são diversos, e dependente do tempo e quantidade de exposição.  Por exemplo, o THC se liga ao receptor PPARγ levando a um aumento a curto prazo na biodisponibilidade do óxido nítrico, e contribuindo com vasodilatação. Por outro lado, o uso prolongado foi associado ao aumento da resistência vascular periférica e maior vasoconstrição. Também há evidências de maior inflamação vascular (incluindo aterosclerose) com o uso crônico. Em alguns casos, os efeitos vasoativos e inflamatórios podem se superpor, como é o caso da arterite canábica. 

5. Ativação planetária e hipercoagulabilidade sanguínea: a presença de receptores CB1 e CB2 na superfície das plaquetas podem induzir a ativação e maior agregação destas. Estudos (a maioria in vitro) sugerem que o THC pode aumentar a expressão de glicoproteínas na superfície plaquetária, que participa ativamente da agregação plaqeutéria. Além disso, observou-se também maior produção de ácido araquidônico, que também está relacionada a disfunção endotelial, inflamação e hiper-reatividade plaquetária.

É importante ressaltar que as respostas individuais à cannabis podem variar amplamente, e que muitos destes efeitos deletérios no sistema cardiovascular são atribuídos ao THC. Já o CBD, como mencionado, poderia ter um efeito modulador , daí o maior interesse terapêutico com este componente. Alguns dos efeitos cardiovasculares associados exclusivamente ao CBD incluem:

  1. Vasodilatação e redução da pressão arterial: alguns estudos tem mostrado redução da PA com CBD em pacientes com maior tônus simpático.
  2. Efeitos anti-inflamatório: Em um modelo animal, o CBD inibiu a produção de TNF-α por macrófagos a partir de cadeias de lipopolissacarídeos. Ele também reduziu a expressão de outras citocinas inflamatórias, como NO e IL-β. 
  3. Efeitos antioxidantes: capacidade de reduzir a formação de radicais livres. 

Embora estas características farmacológicas no sistema cardiovascular pareçam promissores, é importante lembrar que a aplicação do CBD como tratamento para condições cardiovasculares ainda não foi estabelecido.

Mas, no conjunto, estes efeitos aumentam o risco cardiovascular?

No próximo post, vamos comentar se existem evidências de que a maconha possa aumentar o risco cardiovascular, incluindo infarto agudo do miocárdio, AVC, arritmias, etc…

Acompanhem!

 

Referências:

Lee et al. The cardiovascular effects of marijuana: Are the potential adverse effects worth the high? Scifed J Cardiol. 2018;2(1):1-3.

Vaduganathan M, Bhatt DL. Marijuana and cardiovascular disease: Raising the evidence bar. J Am Coll Cardiol. 2020;75(3):320-322.

Robert L. Page II et al. Medical Marijuana, Recreational Cannabis, and Cardiovascular Health: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2020;142:e131–e152

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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