Arritmia Diretrizes e Guidelines Marcapasso

Já Viu a Nova Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis – 2023? PARTE 01

Escrito por Pedro Veronese

Esta publicação também está disponível em: Português

A última Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI) era de 2007, ou seja, 16 anos atrás, portanto há muitos tópicos novos que sequer existiam na prática clínica em 2007. Essa atualização é um trabalho em conjunto da SBC, SOBRAC e SBCCV coordenada pelo Prof. Dr. Ricardo Alkmim.

O objetivo deste post não é esgotar as informações desta Diretriz, mas sim, destacar os seus principais pontos e mudanças. Para vê-la na íntegra acesse: Teixeira RA, Fagundes AA, Baggio-Junior JM, Oliveira JC, Medeiros PTJ, Valdigem BP, et al. Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis – 2023. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(1):e20220892

As informações entre “ ” são transcrições da Diretriz. Os comentários Cardiopapers são pontos de destaque ou de mudanças em relação à Diretriz anterior.

  1. Doença do Nó Sinusal (DNS)

“As disfunções do nó sinusal, quando resultam em sintomas, são denominadas doença do nó sinusal (DNS) e costumam ser a mais comum indicação para estimulação cardíaca artificial em âmbito global, correspondendo a aproximadamente metade dos implantes de MP definitivo.”

Comentário Cardiopapers:

A pausa sinusal é uma das apresentações clínicas da DNS. Frequentemente encontramos pausas no Holter de 24h. Quando < 3,0 segundos, geralmente são assintomáticas e não requerem tratamento. Pausas > 3,0 segundos devem ser correlacionadas com o horário que ocorrem, frequência, sintomas, uso de medicações cronotrópicas negativas etc. para se definir a conduta. Paciente com síncope/pré-síncope inexplicada, que apresenta pausa(s) > 6,0 segundo(s) assintomática(s) no Holter de 24h, deve ser considerado para implante de marca-passo. Esse é um conceito novo em relação à Diretriz anterior. Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo na doença do nó sinusal (DNS)

– Doença do nó sinusal (bradicardia sinusal, pausa/parada sinusal, bloqueio sinoatrial ou síndrome bradi-taquicardia) espontânea, sem causa passível de tratamento ou induzida por fármacos necessários e insubstituíveis, com documentação de sintomas (síncope, pré-síncope, tontura ou cansaço/fadiga) relacionados à bradicardia I C
– Doença do nó sinusal (bradicardia sinusal, pausa/parada sinusal, bloqueio sinoatrial ou síndrome bradi-taquicardia) espontânea, sem causa passível de tratamento ou induzida por fármacos necessários e insubstituíveis, com sintomas (síncope/pré-síncope/ tontura ou cansaço/fadiga) não documentados após investigação preconizada (diagnóstico presuntivo)

– Síncope inexplicada com evidência de DNS no EEF

IIa C
– Síncope inexplicada, quando houver documentação de pausa sinusal >6s assintomática IIb C
– Paciente assintomático, com sintoma documentado e claramente não relacionado à bradicardia; paciente sintomático com bradicardia decorrente de causas reversíveis, incluindo-se fármacos não essenciais III C
  1. Bloqueio Atrioventricular (BAV)

“O estímulo elétrico originado no nó sinusal é propagado pelo miocárdio pelo sistema de condução especializado. O retardo ou a falha na propagação do estímulo entre os átrios e os ventrículos caracterizam os BAV. Essa alteração da propagação do estímulo pode corresponder a uma alteração patológica ou ser um fenômeno funcional decorrente da refratariedade fisiológica (propriedade intrínseca das células do sistema de condução).”

Comentário Cardiopapers:

As indicações clássicas de indicação de marca-passo nos bloqueios atrioventriculares não mudaram, porém, algumas indicações relacionadas a procedimentos como TAVI merecem destaque, além do tempo de indicação pós-infarto ou cirurgias cardíacas.

No passado, esperava-se até 2 semanas para indicar marca-passo definitivo por BAV após IAM. Esta Diretriz recomenda aguardar até 5 dias. Até 48h após implante de TAVI. Até 5 dias após cirurgia cardíaca valvar, ou revascularização miocárdica.  

Ela recomenda marca-passo no BAVt congênito assintomático em adultos > 18 anos ou em assintomáticos com fatores de risco (pausa superior a 3 vezes o ciclo RR basal, QRS largo, QTc prolongado, arritmia ventricular complexa, FC média <50bpm, disfunção ventricular). Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo no bloqueio atrioventricular (BAV)

– BAV adquirido, de 2° grau Mobitz II, grau avançado ou de 3° grau não atribuíveis à causa reversível ou fisiológica, independentemente da ocorrência de sintomas

– BAV de 2º grau Mobitz II, avançado, de 3º grau ou bloqueio de ramo alternante, mesmo assintomático, e persistente após pelo menos 72 horas de IAM

– BAV avançado ou bloqueio de ramo alternante após TAVI, persistente por pelo menos 24 a 48 horas

– BAV avançado após IAM, persistente por pelo menos 5 dias

– BAV avançado sintomático, persistente após pelo menos 5 dias de cirurgia cardíaca valvar, revascularização ou cirurgia de fibrilação atrial

– BAV de 3º grau congênito sintomático

– BAV de 3º grau congênito assintomático associado a fatores de risco (pausa superior a 3 vezes o ciclo RR basal, QRS largo, QTc prolongado, arritmia ventricular complexa, FC média <50bpm, disfunção ventricular)

I B
– BAV adquirido de 2º grau Mobitz I sintomático não atribuível à causa reversível ou fármaco não essencial

– BAV de 2º grau Mobitz II, avançado ou de 3º grau, assintomático e persistente após pelo menos 5 dias de cirurgia cardíaca valvar, revascularização ou cirurgia de fibrilação atrial

– FA permanente com baixa resposta ventricular com sintomas atribuídos à bradicardia

I C
– BAV de 3º grau congênito em adultos (>18 anos) assintomáticos IIa B
– Em pacientes sintomáticos, claramente em decorrência de BAV de 1º grau significativo (pseudossíndrome do MP) IIa C

Comentário Cardiopapers:

Outra preocupação relevante que surgiu nos últimos anos foi a observação de disfunção ventricular em pacientes submetidos à estimulação crônica por marca-passo do VD. A seguir os autores destacam a importante contribuição que o estudo nacional COMBAT liderado pelo Dr. Martino Martinelli deu neste tópico.

“Os efeitos deletérios da estimulação crônica do VD foram demonstrados em vários estudos, embora apenas uma minoria (5% a 9%) de indivíduos com estimulação crônica do VD desenvolva disfunção ventricular grave com sintomas de IC. Nesse sentido, pacientes com disfunção de VE e indicação de MP devido a BAV foram avaliados nos estudos COMBAT (FEVE < 35%) e BLOCK-HF (FEVE ≤ 50%). Nesses estudos, que compararam a TRC versus a estimulação convencional do VD, demostrou-se melhora clínica (NYHA) e remodelamento reverso do VE (com aumento da FEVE) com a TRC, com redução significativa de desfechos primários.”

  1. Bloqueio Intraventricular (BIV)

“As anormalidades do complexo QRS, representadas pelos bloqueios fasciculares ou bloqueios de ramo, são causadas por atraso da condução ou bloqueio de um ou mais ramos do sistema His-Purkinje.”

Comentário Cardiopapers:

Mais uma vez a Diretriz destaca a indicação de marca-passo após o procedimento de TAVI. “BRE novo persistente com QRS > 150ms por mais de 48 horas após TAVI, na presença de PRi > 240ms” ou “BRE novo persistente com QRS > 150ms por mais de 48 horas após TAVI, na presença de PRi normal”.

É possível indicar marca-passo em pacientes com síncope inexplicada e bloqueio bifascicular sem EEF, porém em situações especiais: “Em pacientes com bloqueio bifascicular e síncope inexplicada, sem a realização de estudo eletrofisiológico (idosos, pacientes frágeis e síncope recorrente).” Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo no bloqueio intraventricular (BIV)

– Em pacientes com síncope e bloqueio de ramo com registro de intervalo HV ≥ 70ms ou bloqueio infranodal no EEF, sem registro de TV hemodinamicamente instável, está recomendado o implante de MP definitivo

– Em pacientes com bloqueio de ramo alternante, independentemente de sintomas, está recomendado o implante de MP definitivo

BRE novo persistente com QRS > 150ms por mais de 48 horas após TAVI, na presença de PRi > 240ms

I C
– Em pacientes com bloqueio bifascicular e síncope inexplicada, sem a realização de estudo eletrofisiológico (idosos, pacientes frágeis e síncope recorrente) IIb B
– BRE novo persistente com QRS > 150ms por mais de 48 horas após TAVI, na presença de PRi normal IIb C
– Pacientes assintomáticos com distúrbio da condução intraventricular isolado e condução AV 1:1 na ausência de outras indicações para implante de MP III B
  1. Síndrome da Hipersensibilidade do Seio Carotídeo e Síncope Vasovagal

“A síndrome da hipersensibilidade do seio carotídeo (SHSC) é caracterizada pela história de síncope associada à resposta reflexa exacerbada decorrente da estimulação mecânica do seio carotídeo, espontânea ou por massagem (MSC).”

“A síncope vasovagal é caracterizada pela história de perda da consciência associada a reflexo neuromediado exacerbado que cursa com redução súbita do fluxo sanguíneo cerebral secundária à vasodilatação e/ou redução da frequência cardíaca.”

Comentário Cardiopapers:

A indicação de marca-passo para síncope vasovagal com componente cardioinibitório importante é rara e permanece como classe IIb, quando recorrente e em indivíduos > 40 anos. Para hipersensibilidade do seio carotídeo do tipo cardioinibitória é classe I quando documentada espontaneamente (ex. monitor de eventos) ou IIa quando ocorre estimulação do seio carotídeo. Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo na síndrome da hipersensibilidade do seio carotídeo (SHSC) e síncope vasovagal

– Síncope recorrente, > 40 anos de idade e documentação de pausa sintomática espontânea >3s (pausa sinusal e/ou BAV) ou pausa >6s assintomática I A
– Síncope recorrente, > 40 anos de idade e manobra de massagem do seio carotídeo com resposta cardioinibidora (pausa >3s, pausa sinusal e/ou BAV) ou mista (pausa > 3s + hipotensão) na ausência de fármaco depressor do sistema excito-condutor IIa B
– Síncope recorrente, > 40 anos de idade e pausa sintomática > 3s (pausa sinusal e/ ou BAV) induzida no teste de inclinação

– Queda recorrente, inexplicada, sem pródromos, > 40 anos de idade e manobra de massagem do seio carotídeo com resposta cardioinibidora (pausa > 3s, pausa sinusal e/ou BAV)

IIb B
– Paciente com síncope e ausência de resposta cardioinibidora documentada III B
– Paciente assintomático(a) e massagem do seio carotídeo com resposta cardioinibidora III C
  1. Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)

Comentário Cardiopapers:

Bradiarritmias noturnas em pacientes com SAOS devem ser tratadas… tratando-se a SAOS.

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo na síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)

– Pacientes com bradiarritmias noturnas, sem cardiopatia significativa, assintomáticos no período de vigília, com SAOS nos quais não foi realizado o tratamento específico III C
  1. Recomendação de Marca-Passo em Situações Específicas
  • Síndrome do QT Longo Congênito (SQTL)

A indicação de MP exclusivo é rara na SQTL, porém é feita em casos específicos, principalmente em crianças, para suporte terapêutico (ex. otimizas BB).

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo na SQTLc

– Pacientes de baixo risco (ausência das condições de alto risco*), principalmente na SQTL3, com bradiarritmia (sinusal ou BAV) agravada ou não pelo uso de betabloqueadores IIb C
  • Coração Transplantado

            Mais uma indicação nova que não existia na Diretriz anterior.

Recomendações para implante de marca-passo (MP) definitivo após transplante cardíaco

– Pacientes sintomáticos com bradiarritmias ou incompetência cronotrópica em que a resolução espontânea não é esperada ou que, mesmo que transitória, pode persistir por meses, o implante de marca-passo deve ser considerado IIa C
  1. Estimulação Direta do Sistema Excito-condutor Cardíaco (Feixe de His, Ramo Esquerdo)

 Comentário Cardiopapers:

Esse é um tema bastante atual e que não era discutido em 2007. Veja a colocação dos autores da Diretriz a seguir:

“O remodelamento e a consequente disfunção ventricular esquerda promovidos pela dissincronia associada à estimulação artificial do VD são desfechos que justificam a busca por sítios alternativos para estimulação em pacientes com bradiarritmias que necessitam de estimulação ventricular artificial.”

“Dessa maneira, a busca por uma forma de estimulação artificial que mantenha o sincronismo intra e interventricular, além da correção da bradiarritmia, é uma necessidade de relevância clínica que vem sendo remetida à chamada estimulação fisiológica.”

“A estimulação direta do sistema de condução é a maneira mais fisiológica de estimulação ventricular artificial porque mantém a ativação elétrica natural do coração, uma vez que o estímulo segue pelas vias normais de condução especializada (His-Purkinje), evitando a dissincronia induzida pela estimulação muscular do VD.”

“A estimulação do feixe de His apresenta algumas limitações, que incluem dificuldade técnica de localização do sítio mais apropriado para estimulação (maior tempo cirúrgico), limiares de estimulação mais elevados, menor amplitude de sinal intracavitário e possibilidade de inibição anormal por cross-sensing.”

“A estimulação direta do ramo esquerdo ou de região próxima por via septal profunda (eletrodo entregue via bainha, perfurando até o lado esquerdo do septo interventricular) é alternativa viável para manutenção de QRS estreito e prevenção de dissincronia. Apesar da diferença técnica entre a captura direta do ramo esquerdo e a captura da região do ramo esquerdo, do ponto de vista funcional, a estimulação da região do ramo esquerdo é capaz de promover sincronismo equivalente à estimulação direta do feixe de His.” Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

Recomendações para estimulação fisiológica (feixe de His, ramo esquerdo) para tratamento de bradiarritmias

DNS com indicação de MP convencional em paciente com retardo de condução intraventricular IIa C
FA permanente com indicação de ablação da junção AV para controle de FC IIa C
BAV sem disfunção sistólica de VE IIb B
  1. Estimulação sem Cabo-eletrodo (Leadless Pacemaker)

Comentário Cardiopapers:

Esta é outra novidade trazida pela Diretriz que não era discutida em 2007. Devido à disfunção dos cabos-eletrodos, a indústria vem desenvolvendo dispositivos sem eles. Veja todas as recomendações com sua classe de indicação e nível de evidência a seguir:

– Leadless pacemaker é recomendado em pacientes com complicação de dispositivos convencionais (fratura de eletrodo, após extração por infecção), nos quais existem obstruções venosas críticas IIa C
– Leadless pacemaker é uma opção aceitável em pacientes com fibrilação atrial com baixa resposta ventricular como primeira opção desde que discutidas com o paciente as vantagens e as limitações IIb B
– Leadless pacemaker é uma opção aceitável em pacientes em ritmo sinusal, com indicação de MP com expectativa de pouca estimulação, desde que discutidas com o paciente as vantagens e as limitações (p. ex., pausas sinusais raras ou BAV paroxístico raro)

Leadless pacemaker pode ser considerado em pacientes com BAVT em que se consideraria estimulação unicameral ventricular (muito idosos, pouca atividade, acamados, desde que discutidas as vantagens e as limitações)

IIb C
– Leadless pacemaker de câmara única ventricular em pacientes com BAVT, em ritmo sinusal, candidatos à estimulação convencional de dupla câmara quando é desejável a manutenção do sincronismo atrioventricular III C
– Leadless pacemaker não está indicado em crianças e jovens (incerteza quanto à conduta quando o gerador chega ao fim de vida útil) III C

Os temas Terapia de Ressincronização Cardíaca e indicações de Cardiodesfibrilador implantáveis serão discutidas em um post futuro (AQUI).

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Sobre o autor

Pedro Veronese

Médico Especialista em Clínica Médica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Cardiologista, Arritmologista e Eletrofisiologista pelo InCor-HCFMUSP.
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC.
Médico Especialista em Arritmia Clínica e Eletrofisiologia pela Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas - SOBRAC.
Médico do Centro de Arritmias Cardíacas do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Doutor em Cardiologia pelo InCor - HCFMUSP.
Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Estadual de Sapopemba e Hospital Estadual Vila Alpina.
Médico Chefe de Plantão do Pronto Socorro Central da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Professor da Faculdade de Medicina UNINOVE.

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