Valvopatias

Profilaxia medicamentosa de endocardite infecciosa: ainda vale à pena?

Escrito por Tiago Bignoto

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Realizar profilaxia medicamentosa de endocardite infecciosa em pacientes portadores de valvopatias ainda é um tema controverso que demanda muito entendimento de diversos aspectos.

Sabe-se da elevada morbimortalidade dessa patologia infecciosa. Antes de existir antibioticoterapia, a mortalidade era de 100%, mas depois da segunda guerra mundial esses valores vieram caindo. Atualmente, mesmo com toda a tecnologia empregada no tratamento desses pacientes, a morbimortalidade ainda é relevante, encontrando cifras de mortalidade no primeiro ano em 30% dos pacientes. Quase que todos os casos necessitarão de abordagem cirúrgica ao longo da evolução, sendo a maioria nos primeiros dias ou meses após o evento infeccioso. (Cheque também esta nossa postagem: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/devemos-usar-profilaxia-para-endocardite-em-prolapso-de-valva-mitral/)

Mesmo diante desses números alarmantes, os achados sobre os benefícios da antibioticoprofilaxia são questionáveis, pois ainda não encontramos dados robustos na literatura para uma tomada de decisão mais assertiva. Um dos fundamentos dessa confusão é a suposta bacteremia gerada por algum procedimento cirúrgico na cavidade oral não diferir muito da bacteremia gerada ao escovar os dentes ou mesmo se alimentar.

Quando olhamos as diretrizes mundiais sobre esse tema, notamos a grande controvérsia sobre profilaxia de endocardite infecciosa. O guideline europeu de doenças valvares indica a profilaxia de endocardite infecciosa apenas para os pacientes considerados de alto risco para desenvolver endocardite, como os portadores de cardiopatia congênita cianótica, portadores de próteses valvares e aqueles com histórico prévio de endocardite. Já no Reino Unido, não há indicação de profilaxia medicamentosa para nenhum paciente. Quando olhamos o Brasil, a diretriz nacional indica profilaxia para os mesmos pacientes que constam na diretriz europeia e também para aqueles portadores de valvopatias nativas de graus moderado a importante, sendo bem mais ampla sua utilização na prática clínica.

Recentemente, uma análise de uma grande coorte nos trouxe dados interessantes sobre essas correlações. Ficou claro que havia uma correlação entre intervenções cirúrgicas odontológicas e o desenvolvimento de endocardite infecciosa em até 30 dias após o procedimento. No entanto, os achados não podem garantir que a doença oral possa ser, isoladamente a responsável por essa correlação, independente da abordagem cirúrgica odontológica.

Um achado interessante é que o procedimento de limpeza dentária, marcada por “raspagens” da região periodontal não se mostrou associado a maior risco de desenvolver endocardite, mas isso pode ser explicado pelo fato de os pacientes que são submetidos a essas limpezas frequentarem mais vezes os consultório odontológico, tendo uma saúde e higiene oral melhores. Assim, uma possibilidade plausível para essa falta de correlação aponta para o fator mais importante que é a boa higiene oral de forma rotineira.

Nessa mesma avaliação da coorte, foi demonstrada associação entre menor incidência de endocardite infecciosa nos pacientes de alto risco para essa patologia quando faziam uso de profilaxia antibiótica, indo na mesma direção das publicações dos guidelines americano e europeu.

O contraditório nesse caso é que, mesmo com esses achados, a recomendação das diretrizes é seguida em menos de 50% dos casos em coortes americanas e europeias. Esses valores encontrados eram ainda maiores quando a indicação foi deixada a cargo do dentista, sugerindo que a indicação deveria partir do cardiologista que acompanha o paciente.

Embora com menos poder estatístico, foi demonstrado que manipulações cirúrgicas odontológicas estavam correlacionadas a maiores taxas de endocardite também em pacientes com risco considerado moderado, dessa vez corroborando a indicação do guideline brasileiro que é mais amplo em suas indicações.

Assim, observamos que os dados mais robustos se concentram nos pacientes de alto risco de desenvolver endocardite, embasando essas indicações. Quando observamos os pacientes com risco moderado, não vemos a mesma força estatística, mas diante da gravidade e morbimortalidade do caso, não valeria à pena manter a profilaxia de endocardite infecciosa? Esse é um tema que ainda requer futuros estudos.

REFERÊNCIAS

Thornhill MH, Gibson TB, Yoon F, Dayer MJ, Prendergast BD, Lockhart PB, O’Gara PT, Baddour LM. Antibiotic Prophylaxis Against Infective Endocarditis Before Invasive Dental Procedures. J Am Coll Cardiol. 2022 Sep 13;80(11):1029-1041. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0735109722055371?via%3Dihub

 

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Tiago Bignoto

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