Valvopatias

Qual é a relação entre valvopatia degenerativa e diabetes

Escrito por Tiago Bignoto

Esta publicação também está disponível em: Português

O envelhecimento populacional trouxe uma série de insights dentro da cardiologia, desde os estudos primordiais da doença coronariana obstrutiva. A idade, por si só, é um reconhecido fator de risco para doenças degenerativas cardiovasculares e com a discussão cada vez maior das cardiopatias estruturais, buscou-se entender o comportamento dessas patologias nesse espectro. Mas haveria relação entre valvopatia degenerativa e diabetes, duas doenças cuja prevalência tendem a aumentar com o envelhecimento da população?

A estenose aórtica é reconhecida por dividir com a doença coronariana os mesmos fatores de risco, visto que suas fisiopatologias são muito semelhantes, o depósito de cálcio e fibrose do endotélio. Enquanto na doença coronariana temos a redução luminal, na doença valvar, temos a perda de mobilidade e disfunção majoritariamente do tipo estenose. (Dê uma olhada também neste post sobre relação entre estenose aórtica e obesidade: https://d3gjbiomfzjjxw.cloudfront.net/obesidade-e-fator-de-risco-para-estenose-aortica/)

Observando a casuística mundial, vemos que a valvopatia degenerativa mitral tem prevalência superior às demais, mas a estenose aórtica calcífica vem apresentando elevação de sua prevalência e um olhar clínico para essa transição pode nos dar informações preciosas.

Em uma análise populacional escandinava, mais de 3,5 milhões de pacientes foram acompanhados por quase 20 anos, buscando-se entender a correlação entre valvopatia degenerativa e diabetes, seja tipo 1 ou tipo 2, com achados são interessantes.

Tanto a valvopatia aórtica quanto a mitral apresentam elevada prevalência independente do paciente ter diabetes, mas a lesão do tipo estenose na topografia da valva mitral e da aórtica são mais prevalentes no grupo de diabéticos. Já a lesões do tipo regurgitativa são menos frequentes, apontando para a fisiopatologia da fibrose e calcificação no desenvolvimento dessas disfunções.

Em pacientes portadores de diabetes tipo 2, havia um risco 62% maior de desenvolver estenose aórtica calcificada e de 128% de desenvolver estenose mitral, enquanto os riscos de desenvolver regurgitação dessas valvas eram menores do que na população sem diabetes. Quando o paciente era portador de diabetes tipo 1, o risco de desenvolver as lesões estenóticas eram ainda maiores, com maior acometimento da valva mitral.

Ainda nesse grupo de pacientes, um adequado controle dos fatores de risco e níveis séricos de glicose não isentava esses pacientes do risco de desenvolver lesões estenóticas do lado esquerdo do coração, apontando para um complexo sistema de alterações metabólicas nos pacientes diabéticos, não sendo apenas a alteração da glicemia o papel decisório nas lesões endoteliais.

Como a fisiopatologia da regurgitação mitral é diferente e tem seu componente funcional como mais prevalente na população global, pacientes que apresentavam descontrole do diabetes apresentavam maior incidência de insuficiência mitral, muito provavelmente por doença coronariana concomitante levando à disfunção funcional da valva mitral.

Vale ressaltar que esses achados se referem ao risco de desenvolver determinada patologia e não exatamente prevalência dessas doenças, pois a estenose mitral calcífica ainda apresenta prevalência reduzida e concentrada nos octagenários ou nonagenários, até por ser uma doença degenerativa e a área mitral ser bem maior do que a aórtica, demandando por si só mais tempo até termos repercussões clínicas consideráveis.

Outro ponto que não pode ser desconsiderado é que essa avaliação se deu numa coorte em que a doença reumática é praticamente inexistente. No nosso meio, esses achados não são extrapoláveis de forma mecanística.

A compreensão maior dessa avaliação populacional é entendermos que os fatores de risco  cardiovasculares tradicionalmente discutidos e que apresentam reconhecido impacto negativo na sobrevida, como o diabetes também se aplicam na valvopatia degenerativa, tornando esses pacientes que não apresentam controle adequado, extremamente complexos, afinal, não seria incomum coexistirem doença coronariana, lesões estenóticas valvares e comorbidades que tornam seu acompanhamento um grande desafio.

 

REFERÊNCIA 

Rawshani A, Sattar N, McGuire DK, Wallström O, Smith U, Borén J, Bergström G, Omerovic E, Rosengren A, Eliasson B, Bhatt DL, Rawshani A. Left-Sided Degenerative Valvular Heart Disease in Type 1 and Type 2 Diabetes. Circulation. 2022; 146(5):398-411. (https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.121.058072?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed)

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