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Álcool pode reduzir o estresse mental e o risco cardiovascular?

Escrito por Humberto Graner

Esta publicação também está disponível em: Português

Você já deve ter se deparado com o seguinte dilema: sabe-se que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas é prejudicial, e estima-se que 5% do ônus global de doenças e lesões seja atribuído ao álcool. Por outro lado, diversos estudos observacionais mostraram que o consumo leve a moderado de álcool pode “proteger” contra doenças cardiovasculares (mesmo após ajuste para múltiplos fatores de confusão e o viés de abstêmio). Se, por um lado, isso não é suficiente para recomendarmos consumo de álcool, mesmo que em pequenas quantidades, para promover proteção cardiovascular em pacientes abstêmios, por outro, os mecanismos relacionados aos possíveis benefícios cardiovasculares não foram totalmente elucidados.

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Explorando um pouco mais este assunto, pesquisadores utilizaram o Mass General Brigham Biobank para estudar 53.064 indivíduos que tinham informações sobre consumo de álcool e os acompanharam com foco em eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) por meio do prontuário eletrônico.

Ao longo de uma mediana de acompanhamento de 3,4 anos, descobriram que, em comparação com a ingestão nula/mínima de álcool, o consumo leve a moderado estava associado a um menor risco de MACE (HR 0,79; IC 95% 0,71–0,86; P<0,0001), mesmo após ajuste para fatores de risco cardiovasculares e socioeconômicos.

Mas qual o diferencial deste estudo?

Em um subconjunto menor, composto por 713 participantes do estudo, eles descobriram que o consumo leve a moderado de álcool está associado a uma redução da atividade metabólica (medida por PET de 18F-fluordesoxiglicose) em centros cerebrais associados ao estresse (particularmente a amígdala), e que isso se associou aos efeitos benéficos do álcool sobre o risco de doenças cardiovasculares. Afinal, estudos anteriores mostraram que alta atividade metabólica nesses centros cerebrais associados ao estresse está relacionada a um maior risco de eventos cardiovasculares por meio de um mecanismo serial que inclui aumento da leucopoiese e aumento da inflamação vascular aterosclerótica.

Além disso, o consumo de álcool leve a moderado também esteve associado reduções ainda maiores no risco de MACE entre indivíduos com ansiedade prévia , quando comparado com indivíduos sem ansiedade (HR 0,60 – IC95% 0,50-0,72 versus HR 0,78 – IC95% 0,73 – 0,80; P-interação=0,003 ).

Por outro lado…

Os autores encontraram um risco aumentado de câncer em pacientes com consumo leve a moderado de álcool, com um aumento de 23% no risco de incidência de câncer  nesta coorte ao longo do seguimento.

E agora?

Cada vez mais, sabemos que a inflamação desempenha um papel importante na aterosclerose e confere risco cardiovascular residual mesmo quando os pacientes estão em tratamento otimizado para controle dos fatores de risco cardiovascular. É plausível que o benefício cardiovascular do álcool esteja relacionado aos seus efeitos na redução do estresse – e a redução do estresse provavelmente tenha um efeito anti-inflamatório.

No entanto, nos mesmo banco de dados, também ficaram evidentes outros efeitos deletérios do consumo de bebidas alcoólicas. Dado os outros malefícios do álcool, incluindo fibrilação atrial, cardiomiopatia, doença hepática e transtorno de abuso de álcool, fica claro que o álcool não pode ser considerado como terapia de prevenção para doenças cardiovasculares. É imperativo que os esforços de pesquisa futuros busquem outras estratégias de redução do estresse (ou seja, exercícios, yoga e terapias de atenção plena) ou até mesmo novas terapias que utilizarão esta via de redução da atividade cerebral associada ao estresse, com possíveis benefícios para as doenças cardiovasculares.

Mensagem para levar para casa:

Embora o consumo leve a moderado de álcool esteja associado a um menor risco de eventos cardiovasculares adversos, os riscos associados ao consumo de álcool, como um aumento no risco de câncer e outras condições médicas, não podem ser ignorados. É importante buscar estratégias de redução do estresse alternativas, como exercícios físicos, yoga e terapias de atenção plena, para potencialmente reduzir o risco de doença cardiovascular.

 

Referência

  1. Mezue K, Osborne MT, Abohashem S, et al. Reduced Stress-Related Neural Network Activity Mediates the Effect of Alcohol on Cardiovascular Risk. J Am Coll Cardiol. 2023 Jun 20;81(24):2315-2325. doi: 10.1016/j.jacc.2023.04.015.
  2. GBD 2016 Alcohol Collaborators. Alcohol Use and Burden for 195 Countries and Territories, 1990–2016: A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2018;392(10152):1015-1035. 

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Sobre o autor

Humberto Graner

Co-Editor do site Cardiopapers
Especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva
Professor das Faculdades de Medicina da UFG e UniEvangélica (Goiás)
Doutor em Ciências pelo InCor-HCFMUSP
Fellowship em Coronariopatias Agudas pelo InCor-HCFMUSP
Coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein - Unidade Goiânia (GO)
Pesquisador da ARO (Academic Research Organization) - Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP)

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